Saudade doída, curtida no
álcool feito pimenta no pote, e no formol até, é a saudade de fliperama. Pra quem viveu a vibe
arcadiana, a lembrança de um fliperama consegue trazer quase a época toda no
bojo ou gabinete. A época que digo são os anos oitenta e noventa, ou ainda mais
especificamente o meinho, a meiota, de meados de uma década até meados da outra.
E fliperama, você sabe,
tinha de todo feitio. E aqui não falo da cabine de madeirite com tela de tubo,
mas do ambiente onde eles eram alocados, do bar à casa de dedicação exclusiva. Cada
um com seu charme e sua feiura, sua carga de alegria ou perniciosidade.
Vamos exercitar a memória. Vou rememorar alguns tipos de fliperamas que vivi, e espero que você, que viveu a época, possa se reconhecer e reconhecer alguns deles, se não todos. E, a você que não viveu, que possa aprender e se divertir com a variedade dos tais.
O melhor fliperama era o Fliperama Capital: aquele que unia proximidade, quantidade e qualidade de máquinas e frequência considerável de jogadores. Geralmente esse era aquele fliperama fiel, em que você ia com mais frequência, ou deixava para os fins de semana e outras datas episódicas. Era a casa de diversões por natureza, por apresentar uma boa quantidade (6, 8, 12?) de máquinas, permitindo a variação – ainda que você no final fosse ali por uma ou duas máquinas, apenas. Normal. Ah, importante: Ele apresentava um ambiente geralmente neutro, sadio (na medida do possível), ou, para uma expressão mais atual, não-tóxico.
Sabe aquele personagem
inescapável de todo fliperama (sim, de todos os que citei ou vou citar), o cara
duro, viciado, geralmente bom jogador, e que ficava à toa o dia inteiro no
fliperama, só à espera de uma chance de “salvar” alguém, garantir a ficha de um
jogador inábil (“pegar uma aba”, como dizíamos por aqui)? Os fliperamas de
shopping eram paraísos, oásis, haréns para esses caras. Ei, se você foi um
desses, não se ofenda! Tive bons amigos no ofício, e já fui salvo mais vezes do
que gostaria de admitir... E, confessemos: ver um desses viciados pegar uma
ficha já “perdida”, com seu personagem já “na alma”, só com um risquinho de life,
e fazer uma arruaça, virando a mesa para o nosso lado (sim, agora somos uma
equipe) era dos espetáculos que faziam a ida a um fliperama valer a pena, quase
tanto quanto simplesmente poder jogar.
Mas voltemos para a rua, lá aconteciam as coisas.
Outro tipo de fliperama podemos chamar de Monaural ou Binaural (feito aquele CD do Pearl Jam). É aquele um, solitário, ou aqueles dois flipers colocados no barzinho da esquina, na porta da locadora, até no barbeiro. Um quebra-galho para uma hora de necessidade, uma tábua de salvação para um lugar desprovido. Lanterna dos afogados!
O fliperama talvez mais agradável de nossa lista era o “Secret Point” (opa, mais um termo do mundo do surfe). Aquele fliperama com três, quatro, cinco cabines, bons jogos e o melhor – ZERO crowd, zero população. Era chegar e, na maior parte das vezes, as máquinas estarem vazias, te esperando, quase convidando como uma princesa chama por um Don Juan. Aqui tínhamos o Bar do Djalma, um bar “escondido” numa rua sem saída, acessível, para piorar, por uma pequena ponte que só comportava bicicletas ou motos. Para melhorar, dentro de uma das três cabines havia um Neo Geo, e os jogos eram constantemente trocados. Conheci quase toda a carteira de jogos do console assim, no aconchego. Lugar de paz e alegria, saudade forte!
Dentre os fliperamas de rua, de considerável tamanho, podemos elencar um (sub)gênero que podemos chamar de Cave, ou Caverna mesmo. Era aquele fliperama escuro, sombrio, com ares de anos 70 ainda. Talvez tivesse até uma – ou várias – máquina de pinball por lá. Não ficavam muito cheios, atraíam roqueiros, alguns adultos ou adolescentes finais, e o cigarro era um mal onipresente. Cenário de filme noir!
Mas o pior dos lugares era
o que hoje podemos chamar, num termo que não se usava na época aqui no RJ, de Quebrada.
Esse podia estar situado
no centro da cidade – geralmente numa das ruas mais sujas (física e/ou
metafisicamente), onde fazia vizinhança com casas de baixo meretrício, biroscas
e cabeças-de-porco (pesquise, meu jovem). Podiam estar também no interior ou
sopé de favelas. Essa casa de diversões sortidas reunia uma galera pesadérrima
– pivetes e pivetões, batedores de carteira, viciados em tóxicos (cigarro na
época era vento), e até gangues. Entrar num lugar desses, sem ser um de seus habitués,
era atividade temerária.
Aqui tínhamos um no centro
da cidade de Niterói, na rua São João (sim, que reunia casas de prostituição,
biroscas, pontos de jogo do bicho, bancas de camelô, moradores em situação de
rua e duas igrejas neopentecostais, para promover o equilíbrio na força e
salvação para aqueles que acordassem daquele torpor). Lugar pesado, uma mão no
joystick e outra na carteira. Sombrolhos enfezados, desconfiança, moleque
olhando moleque de cima a baixo, gírias ainda mais restritas circulando entre
os locais. Uma memória pitoresca: Morando em São Gonçalo, uma vez por mês ia ao
centro de Niterói, cidade vizinha, comprar quadrinhos nas bancas de gibi usado.
Geralmente ia acompanhado de meu amigo Ronaldo. Era ou vínhamos de uma fase
ruim e, crias da periferia, nós dois poderíamos ser colocados no time dos
brigões, ou ao menos gostávamos de nos acreditar assim. Quando entrávamos em
tal espelunca, eu, mais centrado, avisava ao amigo: “Ronaldo, já sabe. Aqui só
tem pivete, e esses caras todos se conhecem. Se começar uma briga aqui, não dá
pra gente não. Então é o seguinte: Caso algum malandro meta a mão no seu bolso
enquanto estiver jogando, ou tente pegar nossa bolsa (estava cheia de nosso
tesouro, gibis Marvel/DC!), você prancha logo a cara dele e a gente corre pro
terminal rodoviário (que ficava próximo). E eu faço o mesmo. Bota logo um a
zero e vaza!” Acredite, era nesse espírito marcial, misto de burrice, presunção
e coragem, que ali entrávamos. Sim, amigos, hoje é engraçado, mas era loucura –
e risco de vida – total!
Pulemos para outro tipo,
um todo especial: O fliperama “Cápsula do Tempo”. Aquele lugar onde a
máquina ou as máquinas só e sempre tinham jogos antigos, atrasados em relação
ao entorno, ao momento. Um exemplo raso: Em tempos de Street Fighter 2 e
Samurai Aces nos arcades, você chegava lá no bar do tiozinho e se deparava com
Pac-Man e um Galaga. E quando, um ano depois, os jogos finalmente eram
trocados, eram substituídos por mais games do tempo do ronca. E você pensava,
decepcionado: “Mas quem administra essa bagaça??!!!”. Tais lugares ou jogos, okay,
tinham seu ar cult, e atraíam talvez não apenas coroas e jogadores
desavisados, mas também galera fiel e informada, que curtia de boas um jogo
véio.
Por fim, o derradeiro: Os
fliperamas foram feridos de morte pelos consoles caseiros que, tornados
poderosos-e-acessíveis o suficiente a partir do PlayStation 1, trouxeram os
melhores jogos dos arcades – e muitos outros – direto para o sofá. Mas esse
caminho foi precedido pelo surgimento das LAN Houses, ali pela meiuca dos anos
90. As lan houses, que começaram ofertando PCs para acesso à internet (alô
Orkut, alô MSN) e jogatina, logo passaram a oferecer os tais novos consoles. E
nessa onda a lan house virou foi maremoto, passando as casas de consoles a pulularem
em cada esquina e garagem desse continente brasileiro. Nesse ínterim, surgiu um
movimento herético, típico do capitalismo, esse despudorado: Alguns empreendedores
passaram a unir, num mesmo espaço, consoles onde antes só havia cabines de
fliperama, ou cabines de fliperama onde só havia consoles. E alguns ainda
reacrescentaram os PCs e até mesas de sinuca e totó. A essa mixagem podemos
chamar de Pot-pourri ou fliperama tipo Medley. Ou Salseiro, ou somente Casa de Jogos, aqui na acepção máxima, em maiúsculas.
Mas, e você, meu amigo? Se
viveu a época, recorda de algum outro tipo de fliper que deveria aqui figurar? Conta
pra gente!
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