Palmeirinha, do quintal...
MOTIVO
EU CANTO porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gôzo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Si desmorono ou si edifico,
si permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei si fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.
EPIGRAMA N.o 4
O CHÔRO vem perto dos olhos
para que a dôr transborde e caia.
O chôro vem quasi chorando
como a onda que toca na praia.
Descem dos céus ordens augustas
e o mar chama a onda para o centro.
O chôro foge sem vestígios,
mas levando náufragos dentro.
EPIGRAMA N.o 5
GOSTO de gota d'água que se equilibra
na fôlha rasa, tremendo ao vento.
Todo o universo, no oceano do ar, secreto vibra:
e ela resiste, no isolamento.
Seu cristal simples reprime a forma, no instante incerto:
pronto a cair, pronto a ficar — límpido e exato.
E a fôlha é um pequeno deserto
para a imensidade do acto.
EPIGRAMA N.o 13
PASSARAM os reis coroados de ouro,
e os heróis coroados de louro:
passaram por êstes caminhos.
Depois, vieram os santos e os bardos.
Os santos, cobertos de espinhos.
Os poetas, cingidos de cardos.
Cecília Meireles
Do livro Viagem (mantive a grafia utilizada pela autora em suas primeiras edições)
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