domingo, 31 de julho de 2011

Tráfico de pessoas: autoridades e especialistas apontam necessidade de mudanças na lei

Código penal é insuficiente e não trata da relação do tráfico de pessoas com trabalho escravo ou remoção de órgãos.
Maioria das vitimas não denuncia o crime.
Por Cristina Sena - http://www.andi.org.br
O debate sobre o tráfico de pessoas no Brasil ganha corpo com a criação de uma CPI no Senado e integra a agenda do Executivo para formulação de novo plano de enfrentamento ao problema. O crime tem caráter transnacional e mantém relações profundas com outras modalidades criminosas.
O II Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas está em discussão desde junho pelo Grupo de Trabalho Interministerial, formado por 21 representantes do Executivo, entre autarquias, ministérios e secretarias, sob coordenação da Secretaria Nacional de Justiça (SNJ) do Ministério da Justiça (MJ). A população pode participar elaborando propostas e debatendo em plenárias livres. A SNJ lançou no dia 28 de julho o Guia de Participação com orientações, regras para contribuições e um breve resumo sobre as conquistas do primeiro plano.  
A formulação do documento deve se estender pelo menos até setembro. “O objetivo é reunir organizações, vítimas, famílias e qualquer outro ator social que queira encaminhar propostas para o Plano”, diz a diretora do Departamento de Justiça, Classificação e Títulos da Secretaria Nacional de Justiça (SNJ) do Ministério da Justiça (MJ), Fernanda dos Anjos.
O novo plano visará o enfrentamento ao tráfico de estrangeiros para o Brasil e o tráfico interestadual. A Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos farão parte do planejamento estratégico do governo para os próximos anos.
Em 2008, o I Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas firmou parcerias entre poder público, organismos internacionais e instituições brasileiras com o objetivo de levantar mais informações, realizar campanhas, fomentar a rede de apoio às vítimas e treinar equipes que lidam na prevenção e combate à prática criminosa. A criação de núcleos de atendimento e postos avançados é uma das políticas implementadas no âmbito do plano, Este ano, há dotação orçamentária de R$ 2,5 milhões para construção de mais cinco Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (NETP) e quatro postos avançados.
Até 2010, haviam NETPs em Goiás, Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco, Pará e Acre. Apesar de reconhecer a sua importância, Fátima Leal, pesquisadora da UnB, afirma que há necessidade de ajustes na política de atendimento às vítimas que retornam ao Brasil. Fátima afirma que não há iniciativas de reinserção social ou de proteção do Estado suficientes para a demanda. “Elas (vítimas) sentem dificuldade, não têm a quem recorrer. Os núcleos e postos avançados não dão conta de suprir todos os níveis de proteção que essas mulheres necessitam, falta intersetorialidade, atendimento de saúde, qualificação e inserção  profissional”, analisa Fátima.
No Senado Federal, a Comissão Parlamentar de Inquérito sobre Tráfico Nacional e Internacional de Pessoas, instituída em abril, viaja a cidades que fazem parte das 520 rotas traçadas pela CPI. O objetivo é reunir informações para subsidiar mudanças na legislação e diagnosticar as nuances regionais. Cidades-sede da Copa de 2014 também serão visitadas. Antes, foram realizadas audiências públicas com representantes do governo e de organismos internacionais na tentativa de mapear as rotas de tráfico no país.
A primeira reunião estadual ocorreu no início de julho em Manaus (AM). A região amazônica é porta de entrada para outros países da América Latina e, devido a grande extensão territorial, conta com pouca fiscalização. A CPI ainda deve passar por Salvador (BA), Belém (PA) e Rio de Janeiro (RJ). “A verificação direta nos estados permite que tenhamos contato com vítimas e com o andamento de investigações”, afirma a presidente da CPI, senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM).
Ao final do trabalho, os senadores pretendem criar o marco legal para que o Brasil esteja de acordo com o Protocolo de Palermo, determinação das Nações Unidas que trata da prevenção, punição e repressão do tráfico de pessoas. A necessidade de adequação é mais urgente, pois o crime muitas vezes acontece entre países diferentes.
Violação dos direitos da criança
A relação entre violação de direitos na infância e vulnerabilidade ao aliciamento para o tráfico para fins de exploração sexual ficou explícita na pesquisa Mulheres Brasileiras na Conexão Ibérica: Estudo Comparado entre Tráfico e Migração Irregular. O projeto foi desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa sobre Tráfico de pessoas, Violência e Exploração Sexual de Mulheres, Crianças e Adolescentes, o Violes, da Universidade de Brasília (UnB) e deve ser concluído em agosto.
De acordo com a pesquisadora do grupo Fátima Leal, “a biografia dessas mulheres e adolescentes é marcada por violações de direitos que as expulsam de casa”. Promessas de emprego fora do país – no comércio ou no mercado do sexo – e até de casamento com estrangeiros são disfarces comumente usados pelas redes de tráfico transnacionais.
 “A base de tudo é a necessidade de sobrevivência e o sonho de conseguir algo melhor para si e suas famílias”, explica. As que conseguem sair do mercado do sexo permanecem como migrantes irregulares, recebendo baixos salários em atividades semelhantes às que exerciam no país de origem.
Necessidade de alterar o Código Penal
“A forma como o Código Penal trata o tráfico de pessoas é completamente insuficiente”, afirma a senadora Vanessa Grazziotin (PC do B-AM). O Código Penal contempla apenas dois artigos específicos sobre tráfico de pessoas: o 231 e 231-A, que tratam do envio de brasileiros ao exterior ou para outros estados ou municípios para fins de exploração sexual comercial.
A pena, que pode chegar a oito anos de reclusão, é aumentada em até quatro anos quando se trata de vítimas com menos de 18 anos ou se o condenado possuir, por lei, obrigação de cuidar do adolescente. Emprego de violência e ameaças também endurecem a punição.
Quando há relação com trabalho escravo ou remoção de órgãos, não há dispositivo penal específico, apenas adaptações incluídas no código a partir da década de 80.
Em audiência pública realizada pela CPI em 31 de maio, o Oficial de Governança e Justiça do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC), Rodrigo Vitória, reforçou a necessidade de alterar o Código Penal. "A legislação nacional contempla como crime somente o tráfico para fins de exploração sexual. A exploração do trabalho forçado e a remoção ilegal de órgãos são considerados crimes, mas a legislação não contempla o ato do tráfico para esses fins".
A diretora da SNJ Fernanda dos Anjos, concorda. “A legislação não avançou o suficiente. A falta de um marco punitivo afeta o trabalho de prevenção e repressão. As próprias vítimas têm dificuldade de se reconhecerem como vítimas do tráfico de pessoas”, ressalta.
Número de denúncias é baixo
O número de inquéritos policiais instaurados é baixo. Em 2010, foram iniciadas 74 investigações, quase o dobro que no ano anterior – 43.  Os dados fazem parte de relatório da Polícia Federal entregue em junho à CPI do Senado e elaborado em conjunto pelo MJ, Secretaria de Direitos Humanos e Secretaria de Políticas para as Mulheres.
Segundo a diretora da SNJ, a maioria das vítimas costuma denunciar apenas os crimes de trabalho forçado, exploração sexual ou remoção de órgãos, sem levar em consideração as condições em que elas foram encaminhadas ao local. “Mesmo no patamar de grande crime transnacional, ainda falta sensibilidade por parte da sociedade”.
Para dar visibilidade ao tema, o governo federal prepara adesão à Campanha Coração Azul(Blue Heart Campaign About Human Trafficking), da UNODC. A campanha, adaptada à realidade brasileira, ainda está em fase de estruturação e não tem data prevista para início.
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Guia de Fontes:
Fátima Leal
Pesquisadora do Grupo de Pesquisa sobre Tráfico de pessoas, Violência e Exploração Sexual de Mulheres, Crianças e Adolescentes (Violes), da Universidade de Brasília (UnB). Participou, junto com a pesquisadora Maria Lúcia Leal, da coordenação da Pestraf.
(61) 3226 2748
fatima.violes@gmail.com
www.violes.unb.br
Fernanda dos Anjos
Diretora do Departamento de Justiça, Classificação e Títulos da Secretaria Nacional de Justiça (SNJ) do Ministério da Justiça (MJ)
Contato: João Amurim, assessor de comunicação do Ministério da Justiça
(61) 2025 3135
Senadora Vanessa Grazziotin (PC do B-AM)
Presidente da CPI do Tráfico Nacional e Internacional de Pessoas
(61) 3303-6726
Andrea Catta Preta
Assessora de Comunicação do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC)
(61) 8118 0910 / 3204 7206
andrea.cattapreta@unodc.org
www.unodc.org.br
Mais informações sobre o Tráfico de Pessoas
Consulte o help desk no site da ANDI sobre abuso e exploração sexual infantil
(Edição: Lauro Mesquita e Ricardo Corredor)

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