sexta-feira, 23 de março de 2012

A Luva, terno poema de Schiller


A Luva


No jardim dos leões, para assistir à luta, 
O imperador galeia. Em derredor se escuta


A côrte a sussurrar. Sob as mantas escuras, 
junto ao trono , reluz o arnês das armaduras,


Enquanto nos balcões, em volta, 
descortina a sêda de os dosséis a graça feminina.


O augusto imperador com os dedos fez sinal,
E, emperrado, a ranger nos gonzos, o portal


Lentamente se abriu, e, majestoso, assoma, 
abrindo a goela enorme e sacudindo a coma,


Um vulto silencioso. Agita-se a bancada, 
Inquieta se debruça a côrte entusiasmada,


E o fulvo caçador das selvas, o leão,
Com os olhos em fogo espreita a multidão.


Até que enfim descansa os músculos na arena.
Do trono, o imperador mais outra vez acena;


E um segundo portão se escancarando, em frente, 
 Deixa um tigre sair, aos saltos, de repente;


Ele fita rugindo o rei dos animais, 
Lambe-lhe a rubra língua os dentes colossais,


E a cauda mosqueada e forte, que serpeia, 
 Açoita devagar a palidez da areia .


Rodeia enraivecido ao grande leão deitado, 
 E, engrolando um rugido, estira-se a seu lado.


Pela terceira vez o imperador acena ; 
 Ao seu gesto recua uma grade pequena,


E a rugir e a saltar, pintalgados e pardos, 
 Lançam-se de uma vez da jaula dois leopardos.


Engrifam-se ante o tigre, e, arqueando o dorso hirsuto, 
 Aferventam, bufando, a cólera do bruto,


Que, encolhido nos rins, projeta-se e com a garra 
 Volteando no ar, veloz, os leopardos agarra.


E ruge o leão soerguendo o pescoço jubado,
Olhando os dois no chão do circo ensangüentado.


Nas bóbedas restruge em ecos o alarido
E entre as aclamações do povo erra pedido.


Aí, do peitoril florido de um balcão, 
Uma luva caiu de encantadora mão,


E, como por querer, caiu exatamente 
Entre o vulto do tigre e o do leão horrente.


E Cunegundes bela, a sorrir de ironia,
a um jovem vigoroso e esbelto lhe dizia:


"Se é verdade que é tão ardente e tão vibrante,
O amor que proclamais a todo e todo instante,


Cavalheiro Delorge, alevantai do chão 
A luva que caiu a pouco desta mão."


A sentença fatal apenas ele ouvia
E já o podiam ver descendo a escadaria


Que dava para o circo; e, sem voltar o rosto,
Sem olhar para trás, com o semblante composto,


Com as fidalgas feições serenas e severas,
Nos dedos levantou a luva junto às feras.


E, da mesma expressão indiferente e fria,
Escutava ao subir, de volta, a escadaria,


Entre as damas gentis e os nobres de valor, 
um murmúrio correr de pasmo em seu louvor.


O sorriso da bela,amável, lhe assegura 
Num próximo futuro a próxima ventura.


Mas Delorge,orgulhoso,antegozando a ofensa:
"Eu rejeito, senhora, a vossa recompensa".


Com um sombrio prazer nos olhos cintilantes, 
Ia partir, porém, tardou ainda, e, antes


De deixar para sempre aquela que ele amara,
A luva lhe atirou, com força, em plena cara.

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