quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

A AMIZADE DE CAIM


A AMIZADE DE CAIM


Era um psicopata, um compilador do caos. Sonhava genocídios, explodir represas, envenenar reservatórios de água de colégios e presídios (ele sonhava em matar principalmente outros psicopatas, além da raia miúda, a baixa ralé de criminosos comuns). Era o almoço dos psicólogos forenses, o jantar das famílias brasileiras, que o comiam pelo Jornal Nacional.


Se existisse mesmo isso de reencarnação, poderia dizer-se que ele era o último estágio espiritual de Adão, já prestes a dissolver-se/integrar-se no grande Caos-Lúcifer.

No tempo da escola, antes bem de seus homicídios, eu não poderia suspeitar de nada disso. Ele me defendia, e isso o fazia automaticamente meu amigo. Mas confesso que era uma criança dura.

Depois de adulto, de reconhecê-lo pelas notícias dos jornais, foi que me deu de pensar porque afinal um coração de pedra-de-brita viera a se importar com um ‘amiguinho’ de classe. Ele provavelmente identificava-se com o mal em mim, ao ver-me, sorridente e animoso, quebrar garrafas da cantina e pias do banheiro, rabiscar mesas e paredes, desenhando armas, caveiras e cenas de sexo em todo o canto, mostrar-lhe as facas que trazia na mochila, dizer-lhe “um dia eu furo todos eles. No dia em que perder o medo de ser expulso, eu furo todos eles.”

Pacificado pelos livros e por Cristo, eu quedei, civilizado e cristianizado. Ele esculpiu em ódio sua saga. Incapaz de amar, hoje o entendo: ele amou o Adão em mim. E amou cosmicamente para além de mim: amou o Grande Adão, o Princípio Universal de Morte, em todas as coisas. E sua vida foi uma celebração deste Princípio.

Se suicidou como Judas, como todos os suicidas.

Pensar que poderia ter sido eu.

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