domingo, 13 de fevereiro de 2022

No tempo dos fliperamas

 


A depender da janela de idade, talvez você também tenha curtido a época. Ela durou relativamente bastante: De meados da década de oitenta até meados, ou vá lá, final da década de 10 deste nosso século.

No começo, além das pioneiras e parangoléicas máquinas eletromecânicas de pinball, os jogos eletrônicos eram restritos a um Pac-Man, um Galaga, um Space Invaders... A coisa era simples. Na década de 90 veio a explosão: Os jogos de luta suplantaram os demais, e multiplicaram o número de usuários (viciados não!). Quem viveu, não tem como esquecer: Street Fighter, The King of Fighters, Samurai Shodown, Mortal Kombat e trocentas outras franquias que corriam por fora. As demais categorias nunca deixaram de existir: Os shoot ‘em ups, que são os tradicionais jogos de navinha; os beat ‘em ups (haja up!), que são os divertidos jogos de andar-e-bater, como Double Dragon, Final Fight, Captain Commando, Cadillacs and Dinosaurs; os jogos de corrida, tiro e outros mais.

Todos os bairros, por mais aloprados e esquecidos das atenções da civilização, tinham suas máquinas, em bares, lojinhas, padarias... Alguns bairros, agraciados, contavam com casas exclusivas, apenas para eles: os fliperamas.

Quanta mãe gonçalense já foi buscar seu rebento que jazia enfurnado naqueles antros de perdição! Mas, passado o tempo, sabemos que a perdição era apenas de dinheiro: Merrecas de fichas, mas verdadeiras fortunas para quem não tinha quase nada.

E era meu caso. Mas dava meu jeito: vendia garrafas, catava ferro-velho nas margens do rio Alcântara e nos lixões do entorno (nos anos oitenta não havia coleta por cá). E havia o corporativismo dos defasados (miseráveis não!): Quando um moleque não tinha dinheiro, o outro tinha; um trabalhava de ajudante aqui, outro via pingar a curta mesada ali, e assim mão lavava mão e as quatro mãos se divertiam. Ou oito, pois havia cabines para até quatro jogadores ao mesmo tempo, e a fluição, o prazer da balbúrdia que é você jogar com mais três amigos de uma vez, naquelas chuvas de bordoadas, naquele bate-apanha-perde-coloca-outra-ficha, naquele esbraveja-xinga-gargalha, ah, é dos prazeres, acredite, maiores que vi na vida.

Tínhamos aqui alguns jargões, “bora pranchar uma ficha”, “bora apertar uma ficha”. E lá íamos para a fonte escolhida. Aqui na região as opções eram muitas: O saudoso Bar do Galego, em Tribobó (“para de xingar aí, moleque!!!”, berrava o inveterado flamenguista com aquela voz rouca), logo sucedido pelo Fliper do Moacir Desenhista, defronte à concessionária Dicasa Fiat, e finalmente o Bar do Marquinhos, "rei dos fliperamas" (e outros lances) cujo império alcançava meia região metropolitana do RJ, para onde alugava cabines e placas de jogos, e cuja base felizardamente era ali na passarela do bairro Tribobó, o que nos garantia acesso em primeira mão aos lançamentos, motivo de mui grande honra e também marra de nossa parte. Doutro lado, tínhamos o “Fliperama do Arsenal”, grande casa dedicada que reinou por década na rua do colégio Dalila, próximo ao B. Braun; Seu Djalma no Capote, Dona Marta e Dona Zeza no Palha Seca, Casa Taicorama na entrada do Jockey (a atendente juvenil diabolicamente se vestia como uma pin-up - haja up! - e foi uma de minhas paixonites) e tantos e tantos outros.

Claro, já haviam os videogames, e a certa altura ganhei um – estratégia de minha sofrida mãe para me prender mais em casa – mas os jogos simples do Nintendo não se comparavam aos festivais de cores e efeitos e a variedade dos jogos de arcade.

E aquilo era socializar, faziam-se muitas amizades, e vá lá, alguns inimigos também.

Uma época que “quem viveu, viveu”, seja jogando, seja tendo que dar dinheiro pra filho – seja proibindo-o de entrar na perdição. Com o tempo, o aumento da qualidade dos consoles caseiros (calma, é o nome técnico dos videogames) proporcionou a mesma qualidade técnica dos arcades, podendo ser usufruída no conforto de casa. E isso tornou o negócio não extinto, mas comercialmente inviável.

Hoje a jogatina coletiva, muito mais complexa e cara, rola apenas online, no aconchego do lar, e as socializações, embora mais frias e distantes, abarcam agora toda a estatura do orbe: Seu filho deve estar jogando à noite num clã (“guilda”, equipe) que junta coreanos, chineses, mexicanos e outros quetais. Entendem-se como podem, com rudimentos de inglês, com a linguagem universal que esse grande universo gamer – indústria que, saiba você, movimenta mais dinheiro que a cinematográfica ou qualquer outra indústria de mídia – tem construído. 

Lembra de seu sonho de pirralho de se tornar jogador de futebol? Puff! Um quinto de meus alunos de sexto ano (sim, eu pesquisei), moleques de onze anos, sonham em se tornar profissionais dos e-sports, os esportes eletrônicos. Aquela nossa diversão viciante agora é meio de vida, malandro! Conheci um guri desses que é arrimo de família...

E pensar que no começo tudo se resumia a andanças em ruas de poeira atrás daqueles mágicos caixões de madeira.


Sammis Reachers, hoje jogador ocasional, vez por outra escreve sobre jogos antigos na revista Muito Além dos Videogames.

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