Passo defronte ao asilo de idosos
é domingo de Carnaval
estou no ônibus e nossos olhares
cruzam-se
o veículo, inexorável, separa-me daquele olhar latente
mas é tarde: lateja-me
a lembrança
do asilo onde minha mãe trabalhava
asilo onde passei parte da infância
no bairro de Boa Viagem, em Niterói
onde aqueles velhos ricos
ou pais de filhos vazios e ricos
apertavam minhas bochechas
(lembro-me agora da senhora que fora cantora lírica,
e passava os dias todos os dias a cantar trechos
de óperas, e você não podia me explicar o que uma ópera, enfim, era)
e pousavam suas cansadas mãos em meus cabelos e
diziam seu filho é bonito e
você dizia é levado,
muito levado.
De todos, insofismavelmente lembro-me
do principal, aquele que morava
na suíte do terraço
e não era um idoso,
não de corpo
Por que ele está aqui? perguntei
depois de você levar-me para conhecê-lo, ainda nas escadas
e suas respostas, mãe, podiam
tão pouco
como se antíteses do muito que podia,
pode
o seu coração
ele é louco
mas conversei com ele, mãe
e ele não parece louco e é legal
mas toma muitos remédios
a mãe dele é idosa e não quer ficar com ele
No mês seguinte
(ainda tenho em meu coração empedernido
a cicatriz fiel e silenciosa como um cão de estimação,
e este poema é um lustrá-la)
ao chegar com minha irmã disse-lhe logo
vou até lá em cima
ver o meu amigo
um amigo
adulto
...
você não vai poder...
seu amigo não está mais aqui.
Ele voltou pra casa?
... Ele morreu.
De uma hora pra outra? Morreu de quê?
Você sabe, eu te falei que ele era maluco, não foi?
Então, ele estava lá no terraço, e pulou
lá de cima. Ele se matou.
Um Pássaro.
Maldito sejas, Satanás.
Um dia, no Dia Eterno,
todas as Vinganças se concretizarão
contra ti.
E darás conta de cada pluma, de cada pequenino pássaro.
Aqui: http://opoemasemfim.blogspot.com/
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