Durante minha infância e primeira adolescência, talvez o
prazer maior, dos muitos que tínhamos, mesmo pobres, eram os games. Digo muitos
prazeres pois na época (e isso a juventude de hoje precisa recuperar) dosávamos
as atividades ao ar livre com as virtuais. Dentre as diversas amizades comuns à
idade, cresci mantendo um núcleo principal de três amigos – Wilson, Ronaldo e
Wilson – amizade que dura até hoje (tenho 41 aninhos já). Jogar nos consoles
era ótimo, mas a experiência mais gratificante era com certeza os fliperamas.
Primeiro porque a qualidade dos games era melhor: se em casa eu me debatia com
um Phantom System, console nacional da Gradiente que operava o sistema Nintendo
8 Bits, ligado numa pequena TV em preto-e-branco, nos arcades eram placas do
então poderoso, quase divino Neo Geo, e outras placas (e jogos) fenomenais da
Sega, Capcom etc.
Eu e meus amigos nos digladiávamos para conseguir dinheiro
para jogar algumas fichas. Era algo religioso: Não podíamos passar um dia sem
“pranchar” ou “apertar uma ficha” – as gírias locais para jogar uma partidinha.
O ritmo era de franca fraternidade: aquele que possuía grana no dia pagava para
os outros. Com pena, mas pagava... Por vezes, catávamos ferro-velho
(reciclagem) para conseguir algum money. Certa vez, desconhecedores das leis
ambientais, fomos para a mata cortar lenha para vender a uma padaria que
mantinha um forno à lenha (graças a Deus hoje os fornos são elétricos ou a
gás!).
Quantas aventuras e andanças, em nossas velhas bicicletas ou
no poder das finas canelas, em busca de novos fliperamas que abriam aqui e ali,
e novos jogos que de quando em quando chegavam! Amigos, naquele tempo o momento
máximo da experiência com arcades era jogar numa cabine para QUATRO JOGADORES.
Isso mesmo: elas eram raras e enormes, pois apenas alguns jogos (geralmente de
beat’em up) permitiam tal “luxo”. Como era maravilhoso chegar no maior fliperama
das redondezas, ou ir até o shopping no centro da cidade de Niterói (RJ), em
conjunto com meus três amigos, e poder jogar Tartarugas Ninja 2, Captain
Commando, X-Men ou mesmo Cadillacs and Dinosaurs. Era um pandemônio, um
arranca-rabo, um salseiro danado!!!
Cada um tinha seus personagens certos para jogar. E a
jogatina tinha lá sua estratégia: eu era quase sempre o melhor jogador; assim,
eu e mais um cuidávamos dos chefões, enquanto os outros cuidavam da arraia
miúda, os retardatários que enchiam a tela na parte dos chefões. Por ser o
melhor jogador, às vezes eu jogava com o pior personagem, para equilibrar a
aventura (no Captain Commando, era o Baby; no Cadillacs, era a mulher ou o
Jack). Eram exercícios de estratégia em conjunto, fraternidade e empatia. A
regra geral era não deixar o companheiro ser moído na pancada!
Pois hoje há quem diga (e acredite: naquela época também!) que
os games são instrumentos de solidão, que encerram jovens em seus quartos e
corações. Não creio nisso. Fiz dezenas de amigos de perto e longe em minha
juventude, apenas frequentando fliperamas ou trocando (por empréstimos) fitas
de videogame nintendinho, depois CDs de Playstation 1 ou mesmo Dream Cast.
A amizade com meus amigos fortaleceu-se em muito devido a
essa convivência gamemaníaca. O tempo
gasto com jogos era tempo em que permanecíamos juntos, estreitando nossos
laços, nos conhecendo melhor, rindo, discutindo, sendo mais humanos.
A Bíblia diz que há amigo mais chegado que irmão. Esses meus
amigos, os Três Mosqueteiros do Jardim
Nazareth (eu era o Dartagnan) foram e de certa maneira são os irmãos que não
tive, e devo isso em parte aos games. Nossa relação se tornou mesmo familiar, e
minha casa era cidade aberta onde eles vinham praticamente todos os dias: dois
deles, irmãos, perderam a mãe na infância e o pai, desequilibrado, os renegou;
outro perdeu o pai igualmente ainda na infância. Hoje os três, mesmo absorvidos
pelas responsabilidades da vida adulta e morando um pouco distantes uns dos
outros, não deixaram de jogar seus consoles, e todos iniciaram seus filhos no
mundo dos games, e jogam com eles, mantendo a corrente, construindo estratégias
em conjunto, se divertindo, dando do que da vida não receberam e sendo o que
pais e filhos devem ser: amigos.
Sammis Reachers
Texto escrito especialmente para a atualização do livro Muito Além dos Videogames, de Luiz Miguel Gianeli
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