sábado, 13 de julho de 2019

Em busca do fliperama perdido



Durante minha infância e primeira adolescência, talvez o prazer maior, dos muitos que tínhamos, mesmo pobres, eram os games. Digo muitos prazeres pois na época (e isso a juventude de hoje precisa recuperar) dosávamos as atividades ao ar livre com as virtuais. Dentre as diversas amizades comuns à idade, cresci mantendo um núcleo principal de três amigos – Wilson, Ronaldo e Wilson – amizade que dura até hoje (tenho 41 aninhos já). Jogar nos consoles era ótimo, mas a experiência mais gratificante era com certeza os fliperamas. Primeiro porque a qualidade dos games era melhor: se em casa eu me debatia com um Phantom System, console nacional da Gradiente que operava o sistema Nintendo 8 Bits, ligado numa pequena TV em preto-e-branco, nos arcades eram placas do então poderoso, quase divino Neo Geo, e outras placas (e jogos) fenomenais da Sega, Capcom etc.
Eu e meus amigos nos digladiávamos para conseguir dinheiro para jogar algumas fichas. Era algo religioso: Não podíamos passar um dia sem “pranchar” ou “apertar uma ficha” – as gírias locais para jogar uma partidinha. O ritmo era de franca fraternidade: aquele que possuía grana no dia pagava para os outros. Com pena, mas pagava... Por vezes, catávamos ferro-velho (reciclagem) para conseguir algum money. Certa vez, desconhecedores das leis ambientais, fomos para a mata cortar lenha para vender a uma padaria que mantinha um forno à lenha (graças a Deus hoje os fornos são elétricos ou a gás!).
Quantas aventuras e andanças, em nossas velhas bicicletas ou no poder das finas canelas, em busca de novos fliperamas que abriam aqui e ali, e novos jogos que de quando em quando chegavam! Amigos, naquele tempo o momento máximo da experiência com arcades era jogar numa cabine para QUATRO JOGADORES. Isso mesmo: elas eram raras e enormes, pois apenas alguns jogos (geralmente de beat’em up) permitiam tal “luxo”. Como era maravilhoso chegar no maior fliperama das redondezas, ou ir até o shopping no centro da cidade de Niterói (RJ), em conjunto com meus três amigos, e poder jogar Tartarugas Ninja 2, Captain Commando, X-Men ou mesmo Cadillacs and Dinosaurs. Era um pandemônio, um arranca-rabo, um salseiro danado!!!
Cada um tinha seus personagens certos para jogar. E a jogatina tinha lá sua estratégia: eu era quase sempre o melhor jogador; assim, eu e mais um cuidávamos dos chefões, enquanto os outros cuidavam da arraia miúda, os retardatários que enchiam a tela na parte dos chefões. Por ser o melhor jogador, às vezes eu jogava com o pior personagem, para equilibrar a aventura (no Captain Commando, era o Baby; no Cadillacs, era a mulher ou o Jack). Eram exercícios de estratégia em conjunto, fraternidade e empatia. A regra geral era não deixar o companheiro ser moído na pancada!
Pois hoje há quem diga (e acredite: naquela época também!) que os games são instrumentos de solidão, que encerram jovens em seus quartos e corações. Não creio nisso. Fiz dezenas de amigos de perto e longe em minha juventude, apenas frequentando fliperamas ou trocando (por empréstimos) fitas de videogame nintendinho, depois CDs de Playstation 1 ou mesmo Dream Cast.
A amizade com meus amigos fortaleceu-se em muito devido a essa convivência gamemaníaca. O tempo gasto com jogos era tempo em que permanecíamos juntos, estreitando nossos laços, nos conhecendo melhor, rindo, discutindo, sendo mais humanos.
A Bíblia diz que há amigo mais chegado que irmão. Esses meus amigos, os Três Mosqueteiros do Jardim Nazareth (eu era o Dartagnan) foram e de certa maneira são os irmãos que não tive, e devo isso em parte aos games. Nossa relação se tornou mesmo familiar, e minha casa era cidade aberta onde eles vinham praticamente todos os dias: dois deles, irmãos, perderam a mãe na infância e o pai, desequilibrado, os renegou; outro perdeu o pai igualmente ainda na infância. Hoje os três, mesmo absorvidos pelas responsabilidades da vida adulta e morando um pouco distantes uns dos outros, não deixaram de jogar seus consoles, e todos iniciaram seus filhos no mundo dos games, e jogam com eles, mantendo a corrente, construindo estratégias em conjunto, se divertindo, dando do que da vida não receberam e sendo o que pais e filhos devem ser: amigos.

Sammis Reachers

Texto escrito especialmente para a atualização do livro Muito Além dos Videogames, de Luiz Miguel Gianeli


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