sábado, 11 de julho de 2020

Sammis Reachers: Alguns poemas da juventude

Aos dezesseis anos. Cataratas do Iguaçu, 1996

Já referi em algum lugar que destruí praticamente toda a minha produção poética de juventude, no referente aos originais datilografados. Uma produção irregular que abarcava dos inícios de escrevinhação em 1995, 96, até creio que fins de 2004. 
Mas, dando uma "geral" numa espécie de sótão improvisado sobre a casa de meu pai, entre tralhas e badulaques encontrei diversas publicações - jornais, fanzines, revistas, folhetins poéticos - dos tempos de efervescência do circuito alternativo de poesia.
Assim, "recuperei" estes poucos poemas. Dão bem o tom da rebeldia e da angústia que alimentavam minha mákina ontológika de então... Era um jovem ateu e magoado pelo niilismo, logo após tudo isso salvo por Cristo de uma eventual auto-dilaceração. 


INCA

Queria abraçar lhamas
e venerar o puma.
Queria minha pele morena.
Queria ser Tupac Amaru
e acreditar que a justiça existe.


URBE

Preciso de uma alma onde
caiba meu corpo
e amanhã nem isso...
pois quero meu cadáver
impresso numa pagina
enterrada num fliperama
(queimemos a usina de ilusões
em cada coração)




PARA (TODO) SETEMBRO

Pôr abaixo as torres
do que eu for,
imiscuir-me em precipício

Em miloutros tons
do laranja e do ouro
refênixnascer


MOTE

Não importa o que eu faça
o tempo passa
às vezes chibata
às vezes cachaça


G. TÉRMICA

Esquento a cama
para quando o vazio
chegar.
Já tomei todo o café
mas o mundo se estende além
e lá deve haver mais café
para o vazio.

Escrevo no pacotinho
onde vieram as fotos.
Atesto: Bigodes não
caem bem.
Café amarelou meus dentes.


FRUTA

Sorrir para o que foi apenas por ser depois
para o que é quando a queria comer
obliterar o tempo, fazê-los, o tempo e o espaço,
de curva, massa, multidisposta ao toque,
fazer de Tudo um em chamas.


A WALLY SALOMÃO

Não existem desgraças outras.
Existe a Vida:
A Morte
está por Desgraça.


AMOR

ficou nos lábios
um gosto de sorriso
nos olhos
um quê de lamúria
uma certa enervação
perpassando minha psiquê...

(...o Amor? E
dor se explica?)


LEGADO DE CAIM

Empresto paz às sereias
Meus nomes, não importam,
Quero só escrever meus gritos
na areia.
De homens há que ficam
os sonhos
de outros, os mármores
que fiquem de mim meus gritos
arraigados nos caminhos
gritando aos seus olhos
filhos tataranetos
que paire imortal a Fruta Pânica
da Fé


CARRO

Homens são engrenagens
Mulheres são fluídos
Tempo é estrada


MATO

MORTO
fuzil Steyr AUG
lama 
na 
cara
ervas 
daninhas
cobrindo
paz
nu
(deflagradas cápsulas)
ira
viva
"Raça Fla"
na parede
pichada


CAPITULAÇÃO

Deponho minhas armas, 
minhas faces.

Arriscar o salto?
Há muito sangue em jogo
aqui, nas minhas veias.

Desisto da Guerra. Sem ela
não sobra nada?

Vou com o Nada.
Transitarei em sua vertigem.


EDIÇÃO DO AUTOR

Eu bebo
o mundo que me bebe
Vomito
o mundo que me vomita

Menos que Homem,
sou um livreto puído
de poemas chulos
que a cada dia
o Tempo reedita.


INTERFUNÇÃO

O Labirinto só existe
para que nossas Fugas
venham a se cruzar


SIM,
somos poetas, façamos jus ao laurel
as velhas Olivettis burilam nossos mitos
nossa paz, nossa felicidade? Conceitos proscritos
nossa dor garante para a poesia um céu


HOMINIS COMUNIS
eu posso ser a vítima
eu posso vitimar o sangue
eu posso sangrar o sonho
eu posso sonhar a posse.
mas a quem é dado TER?


SCI-FI
Nato, in memorian

O tempo-Dor
desconstrói nossa fuga
arrojamo-nos pelos corredores
da (belo)nave do futuro, envenenados

o antídoto
é algo que nos fale da Terra,
algo que nos remeta
    a ferros-velhos,
              fliperamas,
                       amigos 
                           mortos.


UMA LIÇÃO, AINDA ASSIM

 

Meus poemas falam muito de fim.

Muitos não gostam deles, ou de mim.

Não lhe conheço e isso é meio um abuso,

mas falo por não saber se você sabe:

Há poemas que existem

apenas para que você os deteste.

Alguns outros podem salvar sua alma.

 

 

OPERA DEI (Luna)

 

No dia de nossa 15ª

alunissagem

vi nosso filho chorar:

ele que não nasceu

e era só pensamento.

comprometeu a realidade

(essa zorra doida que

já não é mais nada):

chorando o pensamento viveu.

da lua vi:

nós éramos um deus.

 

 

NOITE

 

a noite!...

de roldão a noite,

toda a noite em meus bolsos!...

 

fascina seu brilho esplendoroso e falso

 

sinto uma suavidade...

um diáfano e breve lampejo,

um breve lampejo

de liberdade...

 

 

 

14 ANOS

 

falo sobre não querer ter

um coração

não queria sentimentos

queria álcool e ação

tiros, saltos, explosões

muita raça de porrada trocada

alma impermeabilizada

à prova de fogo

à prova de fêmea

meu corpo todo tatuado

com cicatrizes e desenhos

de espadas & rosas,

nunca mais chorar.

 

 

MAIS UMA VERSÃO PARA A QUEDA

 

a Humanidade

é (como) uma criança

cuja mãe

morreu no parto.

Órfã paradigmática e total

livre e aprisionada no Universo

sem iguais ou covalentes.

Uma criança

que criou-se a si mesma,

imitando à sua maneira os lobos.

 

 

MORTALIDADE

 

O tempo sempre trai

O tempo sempre flui

O tempo é aquilo que vai

Eu sou aquilo que fui

 

 

São Gonçalo

 

Em vadiando a vista

Pelas morenas dessa cidade

Foi que me caiu a ficha

Pr’uma já caducante verdade:

Se meu coração existe é tão somente

Para, radical e simplesmente

(Ah, morenas!)

Atentar contra minha liberdade...

 

 

GODOT

 

você espera uma senhora séria

fria & circunspecta,

a rocha maciça

no fim do túnel?

a Noite é a louca;

a Morte

é uma criança.

 

 

Nonsense composition 3.1

 

A morte é do cidadão.

O poder é sempre do cão.

Meu pai diz

Que eu não sou eu.

O sol sabe quem sou eu.

 

 

Para Apollinaire

 

Embaralhar as bordas do abismo

Pra você perder onde pisar.

Pra você

Em errar o passo

Voar

 

 

Anticrítica

 

Por que varejar tuas pedras tão bem-quistas

Contra o cinza substancial dos realistas

Ou a rósea vaporosidade dos românticos?

E que importa o que é Realidade ou Fantasia,

Se ao espírito humanista o que extasia

É a pluralidade dos cânticos?

 

 

Ciberlabirinto

 

A ilusão

Pode findar

Ao amanhecer

Ou pode ser

O amanhecer

 




E aqui alguns textos do talvez primeiro fanzine que eu editei (embora não me lembre se outro fanzine, o Cardio-Poesia, que era seriado e chegou a quatro ou cinco edições, seja anterior), denominado "Fábulas" (publicado em 2002). Uma tentativa de poesia fantástica, transitando tematicamente do local ao histórico. Lembro de ter que fazer uma redução dos textos numa casa de xérox, para depois montar o fanzine, a fim de que não fossem muitas páginas e eu pudesse pagar algumas cópias, além do envio por correio para os correspondentes... Este gênero presta-se melhor ao conto; mas, na época, eu era teimoso ou inseguro demais para tentar o conto com empenho. Lembro-me de que, em seguida, saiu um "Anti-Fábula" e um texto que nominei "Fábula V", este já em prosa, e que relatava a chegada a um porto do Império Romano de Iormungand, a serpente-sem-fim da mitologia nórdica. Esse pequeno conto foi também minha primeira aproximação em prosa ao mestre do gênero e que eu havia descoberto poucos anos antes, Jorge Luis Borges, a quem chamei no prefácio de "o Homero desta era". Infelizmente o texto se perdeu (por sinal, a "Fábula IV" aqui publicada relata um encontro inusitado - quase "espírita", embora mesmo antes de cristianizar-me eu já não acreditasse em tais balelas - entre Jorge Luis Borges e outro que me marcara para bem e mal, Friedrich Nietzsche).
Por um outro lado, tal poesia de fantasiosidade histórica, eu a esforcei quase à exaustão no livro Poemas da Guerra de Inverno, doze anos depois.
Outra curiosidade sobre a Fábula IV: Ela de acerta forma migrou até a sétima arte. Um cineasta e realizador cultural do Pará com quem eu já trocara correspondências, Marcelo Marat, há alguns anos e à minha revelia, pegou trechos deste poema e de diversos outros, publicados no meu fanzine Cardio-Poesia, e os utilizou como partes dos diálogos de um seu curta-metragem experimental, Necronomicon (só o descobri bem depois, mas não tomei por mal, embora, como dito, já houvesse antes repudiado tais versos pelo tom sujo e niilista que carregavam).
ATENÇÃO, o filme é do gênero terror/suspense, e pode (e efetivamente VAI) ferir sensibilidades. De toda forma, você pode assistir às partes um e dois do vídeo AQUI e AQUI.



Fábula I


Um sopro de obus
Desfaz os freios de nossa carruagem:
Tomba Poité,
O saci que pajé conjurou
Empunha as rédeas agora.
Com a garrucha surrupiada
Faço fogo aos portugueses,
E deito-lhes suas aguardentes e cruzes
Embebidas na aguardente incendiadas
De volta por sobre os cornos.
Tua impetuosidade
Beija e despede tuas flechas
E mães portuguesas chorarão.
Avisto o de barbas brancas,
Ele está chefe dos catinguentos...
Borduna não basta,
É forçoso chama, o saci
Cinge-lhe com chama, chama
Queima aquele corpo, cresta
Aquela alva pele que não presta.

Aproxima-se a Vila de Piratininga
Com suas trôpegas tropas
De coragem castrada...
Tupã é por nós;
Que nossa morte seja
Para que Tupã seja ainda mais alto.


 Fábula II

Uma (dentre todas) sexta feira 7,
1 hora da manhã
o tempo racha

presos
sete elementos da vanguarda espartana
que atacavam a ala oeste de Atenas

seis elementos
de inclinações trotskistas, revolucionários
que faziam bem discutir e planejar

também presos
quatro persas
que lutavam contra a expansão muçulmana em Nehavend

todos na mesma cela
de Bangu II
cela de dois colchões
embaixo dum colchão
há uma pistola um estilete e uma revista
de sexo explícito

os espartanos nunca viram papel,
um aproximado olha e vê que nunca vira
pinturas tão reais, e tão doces
os persas nunca souberam uma cela,
medem em uníssono a substancialidade ínvia
das grades de ferro
os trotskistas...
só os trotskistas sabem usar a pistola
mas é um persa quem a encontra  empunha

há um medo (um medo furioso) nos olhares
os espartanos entresinalizam-se e decidem por algo.
E agora?

* * * * *

Nessa janela do tempo,
o outro colchão
não chegou a ser
suspenso do chão

sob si portava ele
uma carta de mãe e uma Bíblia

a carta de mãe,
as lágrimas que a espécie conhece
a Bíblia, as respostas tortas
o destino dos anteriores
prisioneiros da cela e revesadores
da superfície deste e daquel'outro colchão
algum lugar
em algum lugar em
algum lugar em algum
lugar...


Fábula III

Não havia sinal de Guim.
Não... havia um pé de sandália.
Nato se acercou, devagar, evitando
Latas abertas e cacos de vidro do lixão.
Havia um grande buraco no chão,
Escuro, não, negro.
Nato abaixou-se com medo,
Assobiou tipo morcego...
Nem eco nem resposta.
- Guim! Guim!
Uma certa pausa. Um fôlego.
- Guinaldo, cara#&*!
Mas o supergrito foi apelo falho
Não criou o contra-grito usual.
Nato começou a varejar lixo no buraco como um animal,
Com as patas posteriores, de bico, de calcanhar, de sola
Tudo caía na bocarra
Mas nada soava, nada ressonava,
Nada de som sair do buraco.
Nato tinha seu medo (como o nosso)
E seu egoísmo.
Parou um tempo, de cócoras na beirada, pra pensar.
Olhou pras suas sacolas cheias de garrafas,
Panelas, latinhas de alumínio, cobre à vera...
E algo que ninguém tinha ainda visto,
Nato calou a boca do egoísmo
E fez-se como um Jaspion destemido,
Pulou naquela po%%a de buraco rumo ao desconhecido.
Nato não marcava espada ou armadura.
Andava descalço, sola de pé
Dura qual escudo, sempre sem cueca
E aqueles shorts puídos.

O sol cansava e deitava, enrubescido...
Uma hora se passara
E o buraco se fechara,
Sem som e testemunhas.

... ... ... ... ...

Cado veio atrás de Nato.
Era muito moleque, tinha 9
- Ele não, Nato, num vamo leva ele não.
Mas ele vinha.
Semelhava cão, vinha de rastro.
Cado vinha de lixeira em lixeira,
Catando o que a gente deixava passar.
Cado chegou ali viu logo três sacolões.
- Muita coisa! Ah muleque!
Cado catou cada bolsa,
Travou na mão, soltou
A vista em volta, pé de sandália,
De quem é?
- Sei lá.
Nato! Nato!
Cado vai embora com as três bolsas
E um sorriso.
Nada de Guim nada de Nato e o mundo rodando.

... ... ... ...

Cado saiu do ferro-velho regado.
Skibon, Coca-cola, aquela parada
Com queijo derretido e presunto,
Porrada de bala, ainda sobraram três contos.
- Fofo!
- Quê?
- Aí, qual é daquele carrim de rolimã?
Traz aê, cumpadi...
- Cadê dinheiro, Cado?
Mostra. Aê! Vou pegá.

No asfalto descendo avoado,
Asfalto intacto
Do condomínio abandonado,
Curtia Cado, só três descidas,
Já era quase noite, mas
Não dava pra esperar.

... ... ... ...

- Cadê seu irmão, Ricardo?
- Sei não, mãe. Tava
Catando ferro-velho com Guim.
- Cadê Renato, Rosana?
- E eu sei lá de Nato, mãe?!

... ... ... ...

Essa face do mundo,
Essa face que é a nossa agora,
Abriu mão de interagir com Guim e Nato.
Mistério do Mundo esse ato,
Cado ainda cata ferro-velho e não entende,
E vai,
Que o que a Vida mais faz,
É ir sem saber.


Fábula IV

Dia 27 de setembro,
São Cosme e São Damião.
Num centro de umbanda, no portão,
forma-se uma pequena fila de crianças
que somem uma a uma, adentrando o tosco pórtico.
Samis está lá, com uma sacola na mão.
Criança, ele quer doces e quer o que não sabe.
Absorve observando
a multidão de mistérios que no centro se unifica.
Ele receia e anseia...
Num repente (num daqueles radicais repentes
que salpicam a vida) ele ouve,
vindo duma salinha onde guardam-se imagens de santos
(daqueles que se evita expor),
uma discussão.
Sam é curioso, sua mãe o fez para perder-se:
da fila ele se desvia, ele se abaixa,
ele entreabre a porta, ele olha,
ele vê e não crê:
Dois homens de roupas estranhas, peles brancas,
vozes sérias, línguas difíceis e 
olhares que Samis nunca pudera.
Algo zune em seu cérebro,
lágrimas correm sem terem sido
por corpo ou alma solicitadas
e Samis ouve e agora entende:

- ...Um espartano ungido e louco que
corre e abre um caminho em seu próprio pulso
semeando seu sangue em toda a Tessália,
ansiando de quando em quando
(que assim é a sua memória)
a nave que o leve
aonde o mundo acaba.
- Não, não um homem louco que se mate...
Um homem louco que cometa a loucura de preservar-se,
um homem louco que mate o Homem
e coma o lixo de suas entranhas e vomite:
Eis a loucura que é o Futuro.
- Um futuro rumo ao celeste templo do Nada?
Rumar a uma era de mais decadência e trevas?
- Aqui sou eu quem pode falar sobre a decadência,
embora você seja um cego e um decadente...
... e embora eu o ame.
- Sabes muito sobre décadence?
Sei mais que você sobre labirintos.
E onde você dizia faze "ciência",
você fazia um labirinto,
o maior dos labirintos, onde você é o Minotauro.
Se amas-me, é somente por eu tê-lo desvendado...
- Você? Um Teseu cego que transita entre pesadelos,
um Proteu cego que vive para envenenar e matar
a Realidade!???
- Após tudo o que se passou, você ainda defende a "Reali
- Cale-se, Jorge! Eu arrombei as portas da Verdade,
desfraldei sobre o cadáver da decadência
o estandarte do Futuro, da morte e ressurreição do homem!
Você insiste em trancafiar a Verdade em teu limbo,
nessa dimensão impossível de teus pesadelos!
- Então só é dado a você e a seu inimigo crucificado 
o falar por parábolas?
- Eu rasgo leis e profecias,
sou um fim e um começo e um deicida!
Você acende velas e prostra-se
para render culto a Morfeu!

*  *  *  *  *

- Pois aqui estamos, Wilhelm.
Aqui onde, aqui quando, é notícia inviável.
Aqui estamos mais uma vez, eu, você e o Mistério.
Buscamos um homem, o Cavaleiro que domou o Tempo.
Teus olhos brilham... Essa fúria...
Por que não me rasgas
como pretende fazer ao babilônico?

Instaura-se uma breve pausa.
Samis treme e Samis apreende
(o medo é um inimigo, mas o homem 
existe para Saber, e a fome de Verdade
acaba comendo de todas as formas o Medo).
Wilhelm brilha e aponta para Jorge
fazendo-o brilhar e gritar.
Jorge gritando cai.
Wilhelm abre um buraco no ar,
rasga o tecido do "espaço-tempo"
e a metade superior de seu magro corpo some por ele.
A porta sempre esteve entreaberta,
Samis sempre esteve ali;
Só agora Jorge o vê:
- ... ... ... Há algo torto em você, criança,
pois pode nos ver... Entende a minha língua?
 - ...
- Entende?
- Cês são santo?
- Santos? Quisera...
- Moço! Ele tentou matar o senhor?
- Não. Eu não posso ser morto. E nem ele.
- Cumé qui não?
- Você não entenderia... Uhm... Ele foi e ele é
um homem louco. Mas a loucura não é algo ruim...
A loucura é um poder e uma porta.
- A vizinha lá de casa fala que eu sou louco!
- Oh, sim? Interessante.
Pois grave isto, filho: A loucura é poder e porta.
Mas como ia dizendo, a loucura dele era e é tão
poderosa, tão... aberrante, que ele descobriu um modo
de rasgar o Tempo. Ele foi o primeiro homem da história
a conseguir rasgar o que eu chamo de véu dimensional...
Ele tem acesso a todas as dimensões... Não entende?
Vê este planeta? É como se existissem vários planetas Terra,
só que cada um numa dimensão, e essas dimensões são separadas
por "paredes" ou "cortinas"...
- Ele vai num monte de mundo?
Cumé que ele consegue?
- Sim, ele vai em muitos "mundos"...
É difícil explicar como ele conseguiu isso.
Mas ele só o conseguiu depois de morto.
Seu espírito vagou e sofreu e meditou,
meditou de tal forma que ele conseguiu um modo
de rasgar o véu!
- Cara%$&, moço! E o senhor anda com ele pelos mundo?
- Meu espírito também conseguiu rasgar o véu...
- Cês fica indo de lugar em lugar à toa, moço?
Cês brigam por quê?
- Buscamos um homem... Um homem como... Não,
um homem que é mais que nós. Um homem
que também tem o poder de rasgar o véu.
- Tá'qui ele?
- ...Ele passou por aqui. Está preso nesta dimensão, oh,
me perdoe, neste "mundo".
- Por quê?
- Porque ele está vivo.
- Ãã... é... sou eu?
- Ah ah ah ah ah!... Não, filho, não é você...
É um homem de 5.000 anos. Você o conhece?
Seu nome é Gilgamesh.
Ele está "preso" aqui, pois só espíritos livres da carne
podem rasgar o véu. Entende? Ele já obteve o poder
necessário (ele é senhor de muitos segredos), mas
conserva a vida corporal.
Eu e meu amigo o buscamos.
Brigamos em quase todas as vezes... porque
meu amigo Friedrich quer assassinar Gilgamesh.
E eu tento impedi-lo.

Ressurge do buraco a severa face de Wilhelm.
- É hora de irmos. Ele voltou ao Chile.

Friedrich Wilhelm Nietzsche rasga ainda mais o ar,
e mergulha num buraco de brilhos.
Ainda ao chão, Jorge Luis Borges
sorri para o menino e some.
Samis se espantou e se maravilhou da vivacidade
com que o Mistério habitava aquele sorriso.

*  *  *  *  *

- A loucura é poder e porta. A loucura é poder
e porta. A loucura
- Quem mandou você entrar aí, garoto???
 Vai ficar sem doce!!!


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