CAPITULAÇÃO
Deponho minhas armas,
minhas faces.
Arriscar o salto?
Há muito sangue em jogo
aqui, nas minhas veias.
Desisto da Guerra. Sem ela
não sobra nada?
Vou com o Nada.
Transitarei em sua vertigem.
EDIÇÃO DO AUTOR
Eu bebo
o mundo que me bebe
Vomito
o mundo que me vomita
Menos que Homem,
sou um livreto puído
de poemas chulos
que a cada dia
o Tempo reedita.
INTERFUNÇÃO
O Labirinto só existe
para que nossas Fugas
venham a se cruzar
UMA LIÇÃO, AINDA ASSIM
Meus poemas falam muito de
fim.
Muitos não gostam deles,
ou de mim.
Não lhe conheço e isso é
meio um abuso,
mas falo por não saber se
você sabe:
Há poemas que existem
apenas para que você os
deteste.
Alguns outros podem salvar
sua alma.
OPERA DEI (Luna)
No
dia de nossa 15ª
alunissagem
vi
nosso filho chorar:
ele
que não nasceu
e
era só pensamento.
comprometeu
a realidade
(essa
zorra doida que
já
não é mais nada):
chorando
o pensamento viveu.
da
lua vi:
nós
éramos um deus.
NOITE
a
noite!...
de
roldão a noite,
toda
a noite em meus bolsos!...
fascina
seu brilho esplendoroso e falso
sinto
uma suavidade...
um
diáfano e breve lampejo,
um
breve lampejo
de
liberdade...
14 ANOS
falo
sobre não querer ter
um
coração
não
queria sentimentos
queria
álcool e ação
tiros,
saltos, explosões
muita
raça de porrada trocada
alma
impermeabilizada
à
prova de fogo
à
prova de fêmea
meu
corpo todo tatuado
com
cicatrizes e desenhos
de
espadas & rosas,
nunca
mais chorar.
MAIS UMA VERSÃO PARA A QUEDA
a
Humanidade
é
(como) uma criança
cuja
mãe
morreu
no parto.
Órfã paradigmática e total
livre e aprisionada no Universo
sem iguais ou covalentes.
Uma
criança
que
criou-se a si mesma,
imitando
à sua maneira os lobos.
MORTALIDADE
O tempo sempre trai
O tempo sempre flui
O tempo é aquilo que vai
Eu sou aquilo que fui
São Gonçalo
Em vadiando a vista
Pelas morenas dessa cidade
Foi que me caiu a ficha
Pr’uma já caducante
verdade:
Se meu coração existe é
tão somente
Para, radical e
simplesmente
(Ah, morenas!)
Atentar contra minha
liberdade...
GODOT
você espera uma senhora séria
fria & circunspecta,
a rocha maciça
no fim do túnel?
a Noite é a louca;
a Morte
é uma criança.
Nonsense composition 3.1
A morte é do cidadão.
O poder é sempre do cão.
Meu pai diz
Que eu não sou eu.
O sol sabe quem sou eu.
Para Apollinaire
Embaralhar as bordas do
abismo
Pra você perder onde
pisar.
Pra você
Em errar o passo
Voar
Anticrítica
Por que varejar tuas
pedras tão bem-quistas
Contra o cinza substancial
dos realistas
Ou a rósea vaporosidade
dos românticos?
E que importa o que é
Realidade ou Fantasia,
Se ao espírito humanista o
que extasia
É a pluralidade dos
cânticos?
Ciberlabirinto
A ilusão
Pode findar
Ao amanhecer
Ou pode ser
O amanhecer
Por um outro lado, tal poesia de fantasiosidade histórica, eu a esforcei quase à exaustão no livro Poemas da Guerra de Inverno, doze anos depois.
Outra curiosidade sobre a Fábula IV: Ela de acerta forma migrou até a sétima arte. Um cineasta e realizador cultural do Pará com quem eu já trocara correspondências, Marcelo Marat, há alguns anos e à minha revelia, pegou trechos deste poema e de diversos outros, publicados no meu fanzine Cardio-Poesia, e os utilizou como partes dos diálogos de um seu curta-metragem experimental, Necronomicon (só o descobri bem depois, mas não tomei por mal, embora, como dito, já houvesse antes repudiado tais versos pelo tom sujo e niilista que carregavam).
ATENÇÃO, o filme é do gênero terror/suspense, e pode (e efetivamente VAI) ferir sensibilidades. De toda forma, você pode assistir às partes um e dois do vídeo AQUI e AQUI.
Fábula IV
Dia 27 de setembro,
São Cosme e São Damião.
Num centro de umbanda, no portão,
forma-se uma pequena fila de crianças
que somem uma a uma, adentrando o tosco pórtico.
Samis está lá, com uma sacola na mão.
Criança, ele quer doces e quer o que não sabe.
Absorve observando
a multidão de mistérios que no centro se unifica.
Ele receia e anseia...
Num repente (num daqueles radicais repentes
que salpicam a vida) ele ouve,
vindo duma salinha onde guardam-se imagens de santos
(daqueles que se evita expor),
uma discussão.
Sam é curioso, sua mãe o fez para perder-se:
da fila ele se desvia, ele se abaixa,
ele entreabre a porta, ele olha,
ele vê e não crê:
Dois homens de roupas estranhas, peles brancas,
vozes sérias, línguas difíceis e
olhares que Samis nunca pudera.
Algo zune em seu cérebro,
lágrimas correm sem terem sido
por corpo ou alma solicitadas
e Samis ouve e agora entende:
- ...Um espartano ungido e louco que
corre e abre um caminho em seu próprio pulso
semeando seu sangue em toda a Tessália,
ansiando de quando em quando
(que assim é a sua memória)
a nave que o leve
aonde o mundo acaba.
- Não, não um homem louco que se mate...
Um homem louco que cometa a loucura de preservar-se,
um homem louco que mate o Homem
e coma o lixo de suas entranhas e vomite:
Eis a loucura que é o Futuro.
- Um futuro rumo ao celeste templo do Nada?
Rumar a uma era de mais decadência e trevas?
- Aqui sou eu quem pode falar sobre a decadência,
embora você seja um cego e um decadente...
... e embora eu o ame.
- Sabes muito sobre décadence?
Sei mais que você sobre labirintos.
E onde você dizia faze "ciência",
você fazia um labirinto,
o maior dos labirintos, onde você é o Minotauro.
Se amas-me, é somente por eu tê-lo desvendado...
- Você? Um Teseu cego que transita entre pesadelos,
um Proteu cego que vive para envenenar e matar
a Realidade!???
- Após tudo o que se passou, você ainda defende a "Reali
- Cale-se, Jorge! Eu arrombei as portas da Verdade,
desfraldei sobre o cadáver da decadência
o estandarte do Futuro, da morte e ressurreição do homem!
Você insiste em trancafiar a Verdade em teu limbo,
nessa dimensão impossível de teus pesadelos!
- Então só é dado a você e a seu inimigo crucificado
o falar por parábolas?
- Eu rasgo leis e profecias,
sou um fim e um começo e um deicida!
Você acende velas e prostra-se
para render culto a Morfeu!
* * * * *
- Pois aqui estamos, Wilhelm.
Aqui onde, aqui quando, é notícia inviável.
Aqui estamos mais uma vez, eu, você e o Mistério.
Buscamos um homem, o Cavaleiro que domou o Tempo.
Teus olhos brilham... Essa fúria...
Por que não me rasgas
como pretende fazer ao babilônico?
Instaura-se uma breve pausa.
Samis treme e Samis apreende
(o medo é um inimigo, mas o homem
existe para Saber, e a fome de Verdade
acaba comendo de todas as formas o Medo).
Wilhelm brilha e aponta para Jorge
fazendo-o brilhar e gritar.
Jorge gritando cai.
Wilhelm abre um buraco no ar,
rasga o tecido do "espaço-tempo"
e a metade superior de seu magro corpo some por ele.
A porta sempre esteve entreaberta,
Samis sempre esteve ali;
Só agora Jorge o vê:
- ... ... ... Há algo torto em você, criança,
pois pode nos ver... Entende a minha língua?
- ...
- Entende?
- Cês são santo?
- Santos? Quisera...
- Moço! Ele tentou matar o senhor?
- Não. Eu não posso ser morto. E nem ele.
- Cumé qui não?
- Você não entenderia... Uhm... Ele foi e ele é
um homem louco. Mas a loucura não é algo ruim...
A loucura é um poder e uma porta.
- A vizinha lá de casa fala que eu sou louco!
- Oh, sim? Interessante.
Pois grave isto, filho: A loucura é poder e porta.
Mas como ia dizendo, a loucura dele era e é tão
poderosa, tão... aberrante, que ele descobriu um modo
de rasgar o Tempo. Ele foi o primeiro homem da história
a conseguir rasgar o que eu chamo de véu dimensional...
Ele tem acesso a todas as dimensões... Não entende?
Vê este planeta? É como se existissem vários planetas Terra,
só que cada um numa dimensão, e essas dimensões são separadas
por "paredes" ou "cortinas"...
- Ele vai num monte de mundo?
Cumé que ele consegue?
- Sim, ele vai em muitos "mundos"...
É difícil explicar como ele conseguiu isso.
Mas ele só o conseguiu depois de morto.
Seu espírito vagou e sofreu e meditou,
meditou de tal forma que ele conseguiu um modo
de rasgar o véu!
- Cara%$&, moço! E o senhor anda com ele pelos mundo?
- Meu espírito também conseguiu rasgar o véu...
- Cês fica indo de lugar em lugar à toa, moço?
Cês brigam por quê?
- Buscamos um homem... Um homem como... Não,
um homem que é mais que nós. Um homem
que também tem o poder de rasgar o véu.
- Tá'qui ele?
- ...Ele passou por aqui. Está preso nesta dimensão, oh,
me perdoe, neste "mundo".
- Por quê?
- Porque ele está vivo.
- Ãã... é... sou eu?
- Ah ah ah ah ah!... Não, filho, não é você...
É um homem de 5.000 anos. Você o conhece?
Seu nome é Gilgamesh.
Ele está "preso" aqui, pois só espíritos livres da carne
podem rasgar o véu. Entende? Ele já obteve o poder
necessário (ele é senhor de muitos segredos), mas
conserva a vida corporal.
Eu e meu amigo o buscamos.
Brigamos em quase todas as vezes... porque
meu amigo Friedrich quer assassinar Gilgamesh.
E eu tento impedi-lo.
Ressurge do buraco a severa face de Wilhelm.
- É hora de irmos. Ele voltou ao Chile.
Friedrich Wilhelm Nietzsche rasga ainda mais o ar,
e mergulha num buraco de brilhos.
Ainda ao chão, Jorge Luis Borges
sorri para o menino e some.
Samis se espantou e se maravilhou da vivacidade
com que o Mistério habitava aquele sorriso.
* * * * *
- A loucura é poder e porta. A loucura é poder
e porta. A loucura
- Quem mandou você entrar aí, garoto???
Vai ficar sem doce!!!
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