segunda-feira, 2 de novembro de 2020

A divertida trilogia de beat' em ups "perdida" do SNES: Rushing Beat



Todo mundo já jogou Final Fight, correto? O primeiro game da franquia, lançado em 1989, representou uma revolução e um marco no mundo dos arcades, dada a sua qualidade. 
O jogo inevitavelmente chegou aos consoles. Além da boa versão para SNES, a Capcom tentou dar continuidade à saga com o Final Fight 2 e o 3, mas esses, embora bons jogos no universo SNES, deixam muito a desejar em comparação com o original.
Mas hoje vamos falar de um outro beat' em up, ou melhor, de uma família ou dinastia de beats, uma trilogia como Final Fight, mas que "quase" ninguém jogou, ou, se jogou, foi um ou outro exemplar.
Trata-se da trilogia Rushing Beat, da Jaleco. O fato de muitos não terem acompanhado a saga completa no ocidente é provavelmente devido à mudança dos nomes que os jogos sofreram no mercado norte americano: No Japão os jogos Rushing Beat mantiveram esse nome, apenas ganhando um subtítulo (Ran para o 2 e Syura para  3); nos EUA, sinistramente, cada um dos jogos ganhou um nome diferente: Rival Turf! (1992), Brawn Brothers (1993) e The Peace Keepers (1994). 
Além da mudança nos nomes, as versões ocidentais alteram diversos itens da versão japonesa, dos créditos iniciais até o final do jogo, passando por outras mudanças "desfigurantes". Essa prática era comum - e repulsiva, porca, execrável, concorda? Geralmente as versões "ocidentais" eram menos ricas que as japonesas. Sempre saíamos perdendo, e por aqui era difícil conseguir as fitas na versão nipônica. Mas isso é assunto para uma outra resenha... 

  VACILO  >  >  >  >  >  >  >  >
Outra coisa que certamente prejudicou o jogo no ocidente, vacilo que já acontecera antes e aconteceu depois com outros jogos (alguns muito bons, como Phalanx) do SNES, foi a imagem da capa do primeiro jogo, uma verdadeira tragédia. Dê uma olhada aí ao lado: O que isso tem a ver, ou ao menos como pode estimular o consumidor ávido por uma sadia pancadaria? Os dois bitelos parecem dançarinos de break recém-saídos do Ensino Fundamental!!! A capa do segundo jogo seguiu de perto o vacilo, e apenas a capa do terceiro fez algum jus ao conteúdo. Confira as capas aí ao lado. E depois compare com a imagem lá de cima deste texto, que é uma colagem com as imagens das três capas JAPONESAS. Dói, filhinho, dói no coração!

Mas vamos ao que interessa: A jogatina! Ah, e que fique claro que aqui analisamos, como já deu pra imaginar, as versões americanas.


RIVAL TURF! - No primeiro jogo, Rival Turf!, você incorpora Jack Flak (no Japão, Rick Norton) ou Oswald "Oozie" Nelson (no Japão, Douglas Bild). O enredo da versão americana é o de sempre: A namorada de Jack foi sequestrada pelo mafioso Big Al, por sinal responsável pela avalanche de uma nova droga no mercado. Flak é o jovem veloz, com as indefectíveis jaqueta vermelha e calça jeans, à la Terry Bogard da franquia The King of Fighters. O outro personagem é Nelson, espécie de policial vestido à la Bison. É o fortão, o magoador de carnes, o esmaga ossos. São sempre os meus preferidos... Uma característica interessante é o fato de a tela tremer a cada balão ou quebradão que Nelson aplica, o que enriquece a experiência de quem aprecia moer vadios e canalhas, sempre um bom esporte.
O jogo, claro está, é uma cópia do clássico Final Fight que, como todos os demais, não consegue se igualar à matriz. Mas a diversão, para quem gosta do gênero, é bastante agradável. Nesta primeira aventura, nossos heróis precisam avançar por três cidades da costa Oeste dos EUA. Superado o desafio, e de carona num helicóptero, eles voam até a América do Sul (sim, não há helicópteros com tal autonomia de voo, mas esqueça esse detalhe). Em nosso subcontinente sul americano, são mais três estágios floresta adentro.
O jogo possui belos cenários e imagens, e os adversários apresentam boa diversidade e são bem desenvolvidos.
A jogabilidade deste primeiro jogo é simples, deixando um pouco a desejar, principalmente no quesito que costuma ser chamado de "detecção de colisão", o que confere verossimilhança às trocações de pancada. Um dos bons pontos do jogo é a habilidade de correr. No entanto, não há no jogo a corridinha baseada em dois toques no direcional (>>), mas sim pressionando e segurando os botões L ou R. Apertando um destes e mais o soco, o personagem Flak dá uma rasteira deslizante; já Nelson aplica uma dura cotovelada. O único outro movimento especial é o "rodadão", o clássico golpe especial giratório espalha-brasas. Aqui, tais golpes são limitados, embora felizmente não gastem nosso life (sangue, KO), como em outros beats.
Este jogo, bem como os demais da franquia, possui um interessante modo raivoso ou modo fúria (que precisa ser ativado na seção de Options): O angry mode. Com este modo ativado, após levar boa carga de bordoadas, nosso personagem como que estoura uma barra de fúria/superforça (antecipando muitos jogos de luta, como KOF e Street Fighter). Além do personagem ganhar invulnerabilidade temporária, sua força é levemente ampliada e alguns dos balões/arremessos ganham muito mais força (durante os arremessos aéreos e pilões os personagens voam muito mais alto!).
Os chefões são divertidos, embora não muito fortes. Destaque para Iceman, uma irritante espécie de patinador do gelo que curte bater e fugir. Nos estágios finais, o jogo segue outra antiga máxima: Alguns chefões retornam para trocar mais uns murros com nossos a tal altura cansados personagens (o chamado boss rush).
De cenários a inimigos, há uma sucessão de elementos ou clichês que lembram a fonte Final Fight e demais jogos do estilo: O magricela que atira bananas de dinamite; a fase dentro do ônibus/trem/metrô; o tapete vermelho quando adentramos aos andares superiores do edifício da quadrilha, e até a luta final, no terraço do edifício.


BRAWL BROTHERS - O segundo jogo da franquia apresenta diversas evoluções. A mais significativa é a ampliação do número de personagens jogáveis: Agora são cinco. Além de Flak e Nelson, temos outro fortão, Lord J., um lutador de judô; um ninja, Kazan; e uma mulher, Wendy. Continuando a neurose norte americana de tentar desvincular um jogo do outro, aqui até os nomes dos personagens principais são (NOVAMENTE) alterados, e Flak agora é Hack, enquanto Nelson é Slash.
A cada fase, é possível intercambiar (trocar) de personagens, o que confere maior diversão ao jogo. Falando em fases, atenção já no segundo estágio, que é um labirinto nos esgotos: Logo no início de cada tela há, na parede, a indicação de lugar (túnel A, B, C, D). Se não seguir a ordem, ficará dando voltas e tomando bordoadas a esmo!
Muito significativa é certa particularidade deste exemplar da série: É possível andar com a comida (o repositor de life ou sangue) na mão, sem consumi-la. E dá pra lutar (via voadoras e agarramentos) assim. Desta forma, você pode carregar o alimento até que precise dele. Ao ser golpeado enquanto carrega, o personagem larga a comida no chão, como larga as armas, mas ela não some. O ponto ruim é que, para consumir o alimento do chão, são necessários dois toques (um para apanhar e o outro para comer), o que pode atrapalhar as coisas num momento de perrengue... Mas a inovação compensa!
A jogabilidade ganhou: Agora a corrida dos personagens é pelo prático modo dos dois toques no direcional (>>). Outra vantagem acrescida: com o golpe da corridinha, é possível atingir os adversários caídos no chão. Os personagens possuem velocidade, força e habilidades diferentes. O ninja, por exemplo, pode dar até três pulos em sequência, ou seja, o primeiro a partir do chão e mais dois tomando impulso "no ar". Bichim quase avoa, pois duplo sim, mas pulo triplo eu nunca vi. 
Outra coisa que nunca havia visto, e não sei se o lance entrou em tom de brincadeira ou "à vera", é o golpe dito pilão. Primeiro, deixe-me explicar, amigo leitor: Não sei que nome dão aí em sua região, mas aqui neste trecho metropolitano do estado do Rio de Janeiro onde moro, chamamos de "pilão" ao golpe em que o contendor agarra o adversário e, invertendo seu corpo e abraçando-o, salta, caindo sentado com ele ou sobre ele. É o golpe clássico do Hagar de Final Fight e do Zangief de Street Fighters II. Eu gosto tanto de lascar pilão nas almas que chego a dividir mentalmente os beat' em ups entre aqueles que têm pilão e os que não têm... Acontece que neste jogo, que possui não apenas um, mas DOIS "fortões", quem dá os pilões é... a mulher. E a magrinha, além de jeitosa, é bruta, violenta, com golpes todos baseados em luta livre. 
O lutador de judô me pareceu o melhor: Sua facilidade em aplicar agarramentos, além do fato de em geral os lançamentos (aqui chamamos de balões ou jogadões) serem curtos, facilita que se apanhe novamente o adversário para aplicar outro agarramento (e assim sucessivamente), o que pode decidir a partida. O outro fortão, Nelson/Slash, além de mais pesado que o lutador de judô, possui o pior golpe especial (um único soco energético para a frente). Falando em especiais, a mocinha Wendy também possui um especial unidirecional, bem parecido com o da valentina Blaze Fielding de Streets of Rage; Flak/Hack dá uma sequência de socos e termina com um uppercut, e esse especial é o que causa mais dano aos adversários. O ninja e o judoca possuem especiais "espalha-brasa", que atingem a adversários que estiverem tanto na frente quanto atrás do personagem, com destaque para o especial do ninja, de efeito prolongado.
Outra característica distintiva é sobre os agarrões e arremessos. Todos possuem dois tipos de lançamento (para frente e para trás); já o judoca e a mocinha da luta livre, como especialistas que são, possuem três. A velha prática de agarrar o oponente, aplicar-lhe duas joelhadas (ou cotoveladas, cabeçadas etc.) para só então arremessá-lo, aumentado assim o dano, só é possível com os bonecos mais leves: O ninja e Hack. 
Uma coisa se não interessante, ao menos inusitada de toda série são as fases na selva, algo inusual para beat's que, desde as origens em Double Dragon (1987) e Vigilante (1988), concentram-se em ambientes urbanos (Cadilllacs and Dinosaurs é outra história).


THE PEACE KEEPERS - O terceiro jogo avança para uma realidade tecnológica e mutante: Como em Mutant Nation, do Neo Geo, a luta aqui será fundamentalmente contra diversas criaturas mutantes. A talvez maior inovação de TPK é que agora os caminhos, bem como os finais possíveis, são variados.
Uma megacorporação (DM) dominou o mundo e, por motivos diversos, a maioria dos personagens busca vingança contra tal empresa. A motivação de cada um é mostrada numa intro, antes do jogo. 
O jogo começa com quatro personagens selecionáveis: O fortão Prokop, em trajes de morador em situação de rua; Echo, uma mulher com golpes algo parecidos com os da Wendy do jogo anterior, embora mais leve, e que consegue dar pulos duplos; Al, jogador balanceado que anda com uma pequena bazuca (!) nas costas (sim, ela atira). Ele é também o aplicador de pilões do jogo. Flynn é o jogador veloz de plantão. Flak aqui ganha seu terceiro nome: Norton . O time de guerreiros é completado por Orbot, um interessante robô de formas insetóides. Nelson aparece aqui apenas como figurante, para dar algumas informações aos heróis da vez. Ao final, também é possível ver o ninja Kazan.
A jogabilidade segue o padrão do segundo jogo da trilogia, mas com diversas evoluções e acréscimos: O fortão aqui, além dos três tipos de arremesso, consegue aplicar duas cabeçadas antes de executar o arremesso; também pode andar enquanto segura os adversários, como o Haggar de Final Fight, o que ajuda a arremessá-los na posição e direção desejadas. Alguns personagens também podem agora pular segurando o adversário e arremessá-lo do alto (o que aqui chamamos de "jogadão", desde o advento daquele lindo contra-golpe aéreo de Guile de Street Fighter II); no caso de Al, ele aplica um belíssimo pilão. Outro ponto positivo: além dos tradicionais especiais "espalha-brasa", os rotativos que custam life, agora há especiais realmente especiais, à maneira de Golden Axe, que atingem a todos os inimigos na tela.
Além do botão de provocação que vem desde o primeiro jogo, algo desconhecido e inusitado no mundo dos beats, agora há o botão de bloqueio/defesa, mais uma "inovação" no gênero. E, apertando-se simultaneamente o pulo e o soco, ao invés de chamarmos o "espalha-brasa", na verdade liberamos um golpe normal, mas seco e forte (como o mesmo comando no jogo Tartarugas Ninja II), ou mesmo uma forma de livrar-se de agarrões. Outra marca da franquia que vem desde o primeiro jogo é o modo "fúria", um aumento de velocidade e força momentâneo, que se manifesta espontaneamente quando seu personagem está morrendo.
Um único porém: Já não é possível golpear os adversários caídos.
Embora os adversários sejam diferentes e todo o empenho da versão americana em descaracterizar a continuidade entre os três jogos, além dos heróis, vários fatores rememoram a origem em comum. Como por exemplo uma cena do primeiro jogo, que é aqui revisitada: A batalha na ponte, enquanto um helicóptero sobrevoa a mesma, disparando contra todos - amigos e inimigos - que ali combatem.
Uma grande falha do jogo é que, no modo 2 Players, quando seu amigo é agarrado por um adversário, o inimigo fica intangível aos seus golpes, sendo assim praticamente impossível ajudar o parceiro.
De um modo geral, este último episódio buscou caprichar na dramaticidade da história, variando nos finais e com mais diálogos antes, durante e ao fim do jogo, além da expansão de movimentos e dos cenários disponíveis.

O resumo da ópera é que a trilogia Rushing Beat, se não é magnífica, é com certeza uma boa diversão seja para os amantes seja para os apenas apreciadores do gênero andar e bater. E a possibilidade de contar com uma trilogia de beat' em up numa mesma e exclusiva plataforma é algo inusual, e deve ser celebrado.

Sammis Reachers é poeta, escritor e editor. Ah, e professor de Geografia (pois poetas também precisam comer), além de retrogamer ocasional.

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