A saída do ex-governador e entao deputado federal Leonel Brizola do território brasileiro rumo ao exílio no Uruguai é um dos mais obscuros capítulos da história do movimento militar de 1964. Adversários de Brizola trataram de espalhar a versão de que ele saíra do território brasileiro vestido de mulher.
O próprio Brizola deu demonstrações públicas de que este é um assunto que não o agrada nem um pouco. Quando uma repórter o abordou durante a campanha presidencial de 1989, para saber se era verdade que ele tinha saído do Brasil vestido de mulher, Brizola reagiu,agressivo : disse que tinha usado as calcinhas da autora como disfarce. A frase de Brizola pode ter rendido bons títulos nos jornais,mas não acrescentou nada à historia de 1964.
A partida de Brizola rumo ao exÍlio, em maio de 1964, teve somente uma testemunha : o piloto do bimotor Cessna que conseguiu pousar o aviÃo na areia, numa praia no Rio Grande do Sul, numa operação de resgate articulada com requintes de um filme de espionagem.A operação envolveu disfarces, senhas e códigos secretos - como uma nota de um cruzeiro partida em dois pedacos. Testemunha ocular de fatos importantes da crise de 1964, procurador do ex-presidente Joao Goulart, o piloto Manoel Leaes é um homem de poucas palavras. Preferiu viver sempre na sombra. Acompanhou dia-a-dia a odisséia do fazendeiro Joao Goulart.
Guarda em casa,em Porto Alegre,relíquias como o passaporte que o ex-presidente conseguiu do governo do general Ernesto Geisel, meses antes de morrer,em 1976. O passaporte jamais foi utilizado. Quando fazia viagens para a Europa durante o exílio, Jango se valia de outro passaporte - que,surpreendentemente, lhe tinha sido dado pelo general Alfredo Stroessner,na epoca ditador do Paraguai. Autodeclarado amigo do Brasil,Stroessner fez o que o governo brasileiro não quis fazer : dar a Jango um passaporte.
Neste depoimento, gravado em Porto Alegre, Manoel Leaes,testemunha solitária do resgate de Leonel Brizola,revela com detalhes como foi a aventura :
GMN- A única pessoa que pode contar a verdadeira historia sobre como Brizola saiu do Brasil em 1964 é o senhor - que estava no avião com ele. Há versões desencontradas sobre o que aconteceu.Qual é a verdade,afinal ?
ML - ‘’A verdadeira história da saída de Brizola é tensa. Perseguido pelas forcas da repressão, Brizola se encontrava em Porto Alegre,sem condições de sair do país. Já em fins de abril de 1964, eu, que já estava no Uruguai acompanhando o presidente Goulart, recebi a visita de um emissário que me propôs uma missão : resgatar Brizola no Brasil .
Tive um encontro com D.Neuza(mulher de Brizola). Combinamos,então,um plano de resgate. Dona Neuza chegou a me entregar metade de uma nota de um cruzeiro. Disse-me que a pessoa que me procurasse com a outra metade da nota seria o emissário com quem eu deveria combinar o plano para resgatar Brizola.
Poucos dias depois, fui procurado pelo emissário - que trazia a outra metade da nota.Durante dez dias, estudei, no Uruguai, a possibilidade de fazer a operação resgate em Porto Alegre. Eu pilotaria um avião que desceria no Aeroporto Salgado Filho, o que seria arriscado. A alternativa seria descer numa praia no litoral do Rio Grande do Sul. Optei pela praia.
A escolha da praia ficaria a critério dos amigos de Brizola no Brasil. Mas,para descer na areia da praia, eu precisaria saber do horário das mares. Por quê ? A maré baixa deixaria livre uma faixa de terra que possibilitaria a descida do avião.
Designamos,então, uma pessoa que ficou encarregada de estudar o movimento das marés. Somente assim, eu teria certeza de que poderia descer na praia. Recebi, então, um informe indicando em que horarios a maré estaria baixa ou estaria alta. Preferi o horário das sete da manhã. Nesse horário,com a maré baixa, eu teria espaço suficiente para descer na areia pilotando o bimotor.
Comecamos, então, a executar a operação resgate. Eu usaria o avião do presidente João Goulart para resgatar Brizola no Brasil. Era um aviaão Cessna 310, prefixo PT-BSB. Já exilado no Uruguai, o presidente João Goulart sabia de todo o plano. Autorizou-me a decolar de Punta del Este. Deixei Punta às cinco da manhã, em direção à praia do Pinhal, onde Brizola deveria estar me esperando. Eu pilotava o avião do presidente. Fui sozinho.
Quando me aproximei da praia, notei que nem todos os planos que havíamos feito estavam se confirmando. Pelo acerto que haviamos feito,deveriam estar na praia um grupo de pescadores, um Volks vermelho, um caminhão e outro carro. Mas,ao sobrevoar a praia, notei que o caminhão não estava la! Eu deveria regressar ao Uruguai, porque alguma coisa estava errada. Mas,num arroubo de juventude, resolvi me aproximar de qualquer maneira.
Quando eu estava vindo buscar Brizola,sintonizei durante o vôo a Rádio Guaíba.Uma autoridade do governo dizia que em quarenta e oito horas Brizola estaria preso.
Quando cheguei à praia, vi Brizola saindo de trás de um monte de areia. Estava acenando para mim. Pensei comigo : se Brizola veio,então vou aterrissar. O plano deve ter dado certo. Brizola não iria me entregar. Pousei na areia. Abri a porta do avião.
Quando Brizola ainda estava fechando a porta do avião, eu já estava decolando de novo, rumo ao Uruguai! Brizola estava vestido com a farda da gloriosa Brigada Militar do Rio Grande do Sul. Trajava o uniforme de soldado. Tenso,mas feliz, Brizola parecia aliviado porque iria se encontrar com a família no Uruguai. Tinha saído de Porto Alegre num fusca, junto com uma senhora que demonstrou grande coragem pessoal ao levá-lo ao local do resgate. Passaram pelas barreiras sem serem vistos.
Quando eu disse a ele ‘’Dr.Brizola,já estamos no Uruguai ! Acabamos de passar pela fronteira !’’, ele apertou minha mao e me disse : ‘’Obrigado,Maneco !’’. Logo apos nossa decolagem,nos quinze minutos seguintes, tomei uma decisão como medida de precaução, para que nosso avião nao pudesse ser interceptado pela FAB : voei baixo,cerca de um metro acima das ondas do mar.
Brizola chegou a me dizer : ‘’Olhe para trás, para ver se vem vindo algum avião da FAB !’’. Respondi : ‘’Agora eles nao vêm mais. Porque, com o nosso tempo de vôo, já não há perigo de sermos interceptados’’. A viagem, com uma escala em território uruguaio, terminou em Solimar, um balneário nos arredores de Montevidéu, onde o presidente João Goulart nos esperava. Assim Brizola saiu do Brasil em 1964’’.
(Trecho do livro "DOSSIÊ BRASIL")
Via http://www.geneton.com.br
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