domingo, 19 de dezembro de 2010

O Farol Acende-se


Há um mar parado na sua invisibilidade
e um marinheiro cego em movimento permanente.
há um marinheiro cego e o mar rente
à face dura da terra e um barco e a cidade.

Ninguém decora os recifes e os corais verdes
e azuis fundem-se em cristais nos olhos do navegador.
há um navegador cego e o mar acordando a dor
da sua cegueira em música de silenciosos acordes.

Há um barco e a cidade e a escuridão e um gigante
Adamastor em cada vaga em cada litro de água salgada.
há a água salgada nos agrestes medos de tudo e de nada
e a coragem que se esfuma no ar talvez por um instante.

O breu da noite engole mais fundo que a aguardente
e arde no cerne da garganta da vida que lenta se afasta.
é a cidade e as suas luzes apagadas a ave que arrasta
a esperança para o abismo onde a verdade sempre mente.

Os milagres não existem na tempestade forjada na loucura
do marinheiro cego em busca da cidade branca banhada de sol.
e há um barco resistindo, um homem persistindo e então um farol
acende-se e derrama o dia no seu olhar molhado pela noite escura.

(José António Gonçalves)

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