domingo, 24 de agosto de 2025

Montando no fortão e indo pra briga: Os personagens montados em amigos, monstros ou robôs nos beat 'em ups



Há uma frase clássica do cientista inglês Isaac Newton, aquele da lei da gravitação universal, descoberta após uma maçã cair em sua cabeça (a descoberta é real, a maçã é lenda): “Se vi tão longe, foi porque me apoiei nos ombros de gigantes”.

Essa celebração da colaboratividade intelectual está aferrada ao próprio espírito do progresso humano. Parafraseando outro pequeno gigante da ciência, o grego Arquimedes, que disse “Dê-me uma alavanca e moverei o mundo”, apresentamos aqui casos de pequeninos que, amparados nos ombros de gigantes, podem bem dizer: “empresta-me teu corpo e transtornarei o mundo”.

Inteligência, afinal, sempre foi a maior arma. Quando meus alunos (sou professor de Geografia do ensino fundamental), que praticamente nunca leram um quadrinho de heróis, mas foram doutrinados pelo poder do cinema, perguntam sobre o herói mais forte do Universo DC, eu contradigo suas opiniões (Superman, Flash) e falo do Batman. O único sem superpoderes. Sim, poderia falar dos episódios clássicos do desenho Liga da Justiça, como aquele que revela o plano secreto de Batman com contramedidas contra cada um dos membros da Liga, caso as coisas fiquem ruins.

Mas eu prefiro contar uma outra história, ou recontar, pois a mesma foi contada por Grant Morrison em sua saga/crossover Crise Final. Nela, Batman consegue o que nenhum outro ser do universo DC até então conseguira: Matar o maior vilão daquele Universo, Darkseid. Claro, com duras consequências para o próprio Batman. Mas não vamos de spoilers. Essa intro toda foi para falar ou reafirmar que, sim, a inteligência é a maior arma. Se você a unir a uma boa dose de disposição, a encrenca está pronta.

O Livro dos livros, a Bíblia, como não poderia deixar de ser, tem um trecho fabuloso sobre o tema: 

“Melhor é serem dois do que um, porque têm melhor paga do seu trabalho. Porque, se um cair, o outro levanta o seu companheiro; mas ai do que estiver só; pois, caindo, não haverá outro que o levante. Também se dois dormirem juntos, eles se aquentarão; mas um só como se aquentará? E, se alguém quiser prevalecer contra um, os dois lhe resistirão; e o cordão de três dobras não se quebra tão depressa.” (Eclesiastes 4.9-12)

Mas, quando disposição e tirocínio apenas não bastam, pois o problema demanda massiva força física, e você não a tem, como proceder? Lembrando-se de Newton e dos ombros dos gigantes, ora pois.

No mundo dos brawlers, os adoráveis games de andar-e-bater, são muitos os casos em que a inteligência pôs no combate aqueles que, pela fraqueza do corpo, não suportariam nem um "round" na rua ou no ringue, se "sozinhos". Seja construindo suas próprias máquinas ou suítes de combate, seja literalmente amparados no lombo de brutamontes ou seres bestiais, cuja pouca inteligência e muita força casam-se à perfeição com a pouca força e muita sabença de seus parceiros, temos um gênero de personagens todo especial dos beat ‘em ups. Os guerreiros montados!

 

Comecemos com o clássico e também o fundador (será?) da guilda. No exótico, sangrento e esquisito Wild Fang (Tecmo Knight no ocidente), jogo de 1989 da, dãã, Tecmo, você é Duque e é também Frota, dois hábeis guerreiros do Reino de Valdik (não o Soriano). Sua luta é contra o Exército das Bestas Demoníacas, que atacou - enquanto nossos guerreiros estavam fora, em missão - as terras de Valdik. As bestas buscam ressuscitar o mestre delas, o Demônio-Besta Deglomes. Para a ressurreição eles precisam de sangue humano. Muito, muito sangue. A trama da versão americana é bem mais simplória, mas, segue o baile. 

Os dois personagens - o baixinho Duque e o brucutu Frota - lutam bem juntos. Na verdade, um monta no lombo do outro. Além de si mesmos, eles contam com a ajuda providencial de espíritos protetores - o Tigre e o Dragão, que são invocadas durante o jogo. Ao invocar o tigre, seu amigo Frota se transforma na fera, e você avança montado, agora armado com um shéng biao (dardo de corda); ganha um belo golpe - um salto giratório do Tigre que, quase sempre certeiro, gira ao redor do pescoço do adversário e faz o que esse jogo faz de melhor: Cabeças rolarem (e tome spoiler: Sem esse golpe você não zera). O sistema de transmigração é meio tosco: O tigre pode ser selecionado a qualquer momento, mas para virar dragão é preciso pegar certo power up que os adversários liberam, e a transformação é por tempo bem limitado. No entanto, o laser do dragão mata no mesmo instante a tudo o que tocar. O jogo permite dois jogadores em tela, mas a tosquidão opera aqui também: Você joga com o mesmo personagem. Aliás, os mesmos, o dois-em-um Duque-Frota. Apesar dos pesares, Wild Fang merece respeito total pela sua ancianidade, sua pegada totalmente splatter e pelos belos cenários, uma mistura de Grécia e China antigas e até Europa Medieval.

 

 

Agora vamos ao meu preferido, talvez o beat 'em up que mais tenha me papado fichas nos fliperamas, nos anos 90: Captain Commando. O clássico de 1991 da Capcom traz quatro personagens selecionáveis. Um deles é nosso Hoover ou Baby Head (ou, como chamávamos aqui, apenas Baby). Com apenas dois anos de idade, o gênio construiu e pilota seu robô de meia tonelada, o Silverfirst. Ah, a chupeta que ele usa é na verdade um tradutor universal no melhor estilo Star Trek, permitindo que o mini-querido fale os 3 milhões de idiomas conhecidos no Universo. Mas nosso amigo era na verdade um cientista - Hoover J. Stefan - que, ao lado do Dr. Tw (um dos futuros chefões do jogo) desenvolvia pesquisas genéticas. Traído pelo companheiro, que tinha planos maléficos para as descobertas dos dois, antes de morrer ele transferiu sua consciência para um corpo de bebê. O resto é vingança. Ah, essa história é contada no mangá do Captain Commando. 

Além de aparições nos games Marvel Vs. Capcom, o nosso Bebessauro é um personagem jogável no game Namco vs Capcom. 

Baby possui aquele golpe que não deveria faltar ao "fortão" de nenhum beat 'em up: Ele, feito um Zangief da vida, aplica adoráveis pilões.

 

 

Você é fã de Golden Axe? O game, que ganhou três versões para o Mega Drive, é quase sinônimo do console. No primeiro e segundo, os personagens são os mesmos: o bárbaro, a bárbara e o anão (Conan, Red Sonja e, hum... Gimli?). Mas, no terceiro, enquanto o bárbaro e a bárbara continuam (continuam não, são na verdade novos personagens), dois novos combatentes se juntam à campanha, o ser felídeo Chronos "Evil" Lait e o gigante Proud Cragger. O anão (anão não, que o cara tem nome: Gilius Thunderhead) aparece apenas dando instruções, talvez por estar velho para a pancadaria. Mas, mano, quem quer sempre dá um jeito: No game para arcades Golden Axe: The Revenge of Death Adder (1992), o velhinho anão retorna, agora montado... nas costas de um gigante (o Goah)! Duas potências - cérebro e experiência - se unem a músculos descomunais para moer o inferno. Ele merece. 

O game traz grandes e belos sprites, com uma arte soberba. 

 

 

Nossa próxima parada é em Panzer Bandit (Fill-in-Cafe/Banpresto, 1997), tesouro 2D para PlayStation 1. Na trama, a malévola organização liderada pelo Prof. Farad busca se apossar dos Sync, seres de aço mitológicos que, uma vez recuperados, têm sido transformados em máquinas de guerra. Mas suas ambições vão além: O objetivo final é encontrar Ark, objeto ou lugar legendário que, presume-se, oferecerá a seu possuidor o conhecimento infinito. Sua missão, meu amigo, é impedi-lo!

Dentre os cinco personagens selecionáveis temos Miu, sacerdotisa que pilota um dos lendários Sync, de nome Shouki. O construto de combate tem golpes que certamente homenageiam o fundador da tecnoguilda, Baby “Cabeção Commando”, como a corridinha + soco fraco, que aciona a mão giratória como uma perfuratriz, ou o pilão. 

 

 

Outro game de destaque é Battlecircuit (1997), um dos dois beats da Capcom que saíram nos estertores da geração fliperama, e que não foram vertidos para nenhum console da época (o outro é Armored Warriors), a continuação ou tentativa de continuação - não narrativa, por favor, mas ao menos espiritual - de Captain Commando. Na trama, um grupo de caçadores de recompensa parte na captura do Dr. Saturn, e precisa também resgatar e proteger um disco contendo um poderoso programa de computador denominado oportunamente de Shiva (deus/deusa da destruição na mitologia hindu).

Entre os exóticos personagens, deste o talvez mais exótico dos beats neste quesito, temos Pink Ostrich, avestruz inteligente, rosado & enfezado - e único avestruz no universo capaz de voar; e a jovem que luta montada em suas costas, Pola Abdul (sim, uma homenagem à cantora Paula Abdul, daquela doce canção "Rush, rush" e do American Idol). Uma dupla de respeito! Por sinal, parte dos golpes de Pink foi baseada em golpes do personagem Zelkin, pássaro-humanóide do game de luta Star Gladiator (PS1, 1996).

Com um sistema de aquisição de golpes e combos bem interessante e bom humor regado, BC é um game belíssimo, coroação do empenho da Capcom no universo dos brawlers, universo que ela infelizmente abandonou, pouco depois. Uma pena que não tenha nem circulado por muitos fliperamas - dominados na época pelas franquias KoF, SF e MK - e nem sido vertido para um Playstation, Saturn ou Dreamcast da vida.

 

 

Finalizemos nossa saga montada com o belo e algo inovador The Cristal of Kings, de 2002. Sua desenvolvedora, a BrezzaSoft, foi formada por antigos funcionários da SNK. 

No game, temos quatro personagens que precisam salvar os seus respectivos reinos do perigo representado pelo vilão Espírito da Noite, que ambiciona capturar todos os Cristais de Poder, artefatos míticos de seu universo. Um dos personagens, por sinal o principal, o miúdo hobbit-cavaleiro-arqueiro Cocco, não avança apenas na dependência de suas flechas, mas sobre o lombo de uma besta-fera, prima, mãe ou avó dos cangurus - ou tamanduás? Seu elemento (cada personagem possui o seu) é a terra, e seus ataques, baseados na fera e na flecha, possuem ótima eficácia, cobrindo perto e longe. Seu ponto fraco é a defesa. Por sinal, caso sua besta seja comprometida e deixe o mundo dos vivos, você terá que lutar a pé, e aí o caldo engrossa. Os demais heróis são os espadachins Lustro Furia e Justicia, e o mago Lung Xing. O game possui imagens renderizadas e é um beat 'em up de ação/fantasia, com elementos de RPG, e uma pegada visual/narrativa descaradamente à la Senhor dos Anéis. Vale conhecer!

* * *

Nosso tema são os beat 'em ups, mas os montadores estão espalhados pelo universo gamerístico. Nos games de luta, nossos heróis e heroínas montados (cavaleiros não, pois aí seria chamar os amigos-de-cangote de cavalos) também aparecem, como em Waku Waku 7 (Sunsoft, 1996, arcades), onde temos Politank-Z, um mecha com cara do Carro Tanque do desenho Corrida Maluca, pilotado por um baixinho bigodudo e seu cão; e Mauru, menininha montada num misto de ursão de pelúcia, Totoro e Dumbo-lapa-de-orelha. O bicho é bruto! Nos jogos de plataforma, temos representantes de peso, como o semi-tosquêra (nada, é um jogo bom) Dahna (IGS, 1991, Mega Drive), onde a princesa começa seu avanço montada num ogro que elimina os canalhas só com o vento de suas patas... Mas Dahna também segue a pé, de cavalo, de grifo... Como dizemos por aqui, a menina é desenrolada!

* * *

Esses paladinos provam que a tibieza física não é impedimento para lutar por seus objetivos, e a força de vontade, operando com inteligência para alcançar os meios adequados, pode, sim, mudar o jogo. 

Sammis Reachers



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