Há
uma frase clássica do cientista inglês Isaac Newton, aquele da lei da
gravitação universal, descoberta após uma maçã cair em sua cabeça (a descoberta
é real, a maçã é lenda): “Se vi tão longe, foi porque me apoiei nos ombros
de gigantes”.
Essa
celebração da colaboratividade intelectual está aferrada ao próprio espírito do
progresso humano. Parafraseando outro pequeno gigante da ciência, o grego Arquimedes,
que disse “Dê-me uma alavanca e moverei o mundo”, apresentamos aqui
casos de pequeninos que, amparados nos ombros de gigantes, podem bem dizer: “empresta-me
teu corpo e transtornarei o mundo”.
Inteligência,
afinal, sempre foi a maior arma. Quando meus alunos (sou professor de
Geografia do ensino fundamental), que praticamente nunca leram um quadrinho
de heróis, mas foram doutrinados pelo poder do cinema, perguntam sobre o herói
mais forte do Universo DC, eu contradigo suas opiniões (Superman, Flash) e falo
do Batman. O único sem superpoderes. Sim, poderia falar dos episódios clássicos
do desenho Liga da Justiça, como aquele que revela o plano secreto
de Batman com contramedidas contra cada um dos membros da Liga, caso as coisas
fiquem ruins.
Mas
eu prefiro contar uma outra história, ou recontar, pois a mesma foi contada por
Grant Morrison em sua saga/crossover Crise Final. Nela, Batman
consegue o que nenhum outro ser do universo DC até então conseguira: Matar o
maior vilão daquele Universo, Darkseid. Claro, com duras consequências para o
próprio Batman. Mas não vamos de spoilers. Essa intro toda foi para falar ou
reafirmar que, sim, a inteligência é a maior arma. Se você a unir a uma boa
dose de disposição, a encrenca está pronta.
O Livro dos livros, a Bíblia, como não poderia deixar de ser, tem um trecho fabuloso sobre o tema:
“Melhor é serem dois do que um, porque têm melhor paga do
seu trabalho. Porque, se um cair, o outro levanta o seu companheiro; mas ai do
que estiver só; pois, caindo, não haverá outro que o levante. Também se dois
dormirem juntos, eles se aquentarão; mas um só como se aquentará? E, se alguém
quiser prevalecer contra um, os dois lhe resistirão; e o cordão de três dobras
não se quebra tão depressa.” (Eclesiastes 4.9-12)
Mas,
quando disposição e tirocínio apenas não bastam, pois o problema demanda massiva
força física, e você não a tem, como proceder? Lembrando-se de Newton e dos
ombros dos gigantes, ora pois.
No
mundo dos brawlers, os adoráveis games de andar-e-bater, são muitos os casos em
que a inteligência pôs no combate aqueles que, pela fraqueza do corpo, não
suportariam nem um "round" na rua ou no ringue, se
"sozinhos". Seja construindo suas próprias máquinas ou suítes de
combate, seja literalmente amparados no lombo de brutamontes ou seres bestiais,
cuja pouca inteligência e muita força casam-se à perfeição com a pouca força e
muita sabença de seus parceiros, temos um gênero de personagens todo especial
dos beat ‘em ups. Os guerreiros montados!

Comecemos
com o clássico e também o fundador (será?) da guilda. No exótico,
sangrento e esquisito Wild Fang (Tecmo Knight no
ocidente), jogo de 1989 da, dãã, Tecmo, você é Duque e é também Frota, dois
hábeis guerreiros do Reino de Valdik (não o Soriano). Sua luta é contra o
Exército das Bestas Demoníacas, que atacou - enquanto nossos guerreiros estavam
fora, em missão - as terras de Valdik. As bestas buscam ressuscitar o mestre
delas, o Demônio-Besta Deglomes. Para a ressurreição eles precisam de sangue
humano. Muito, muito sangue. A trama da versão americana é bem mais simplória,
mas, segue o baile.
Os
dois personagens - o baixinho Duque e o brucutu Frota - lutam bem juntos. Na
verdade, um monta no lombo do outro. Além de si mesmos, eles contam com a ajuda
providencial de espíritos protetores - o Tigre e o Dragão, que são invocadas
durante o jogo. Ao invocar o tigre, seu amigo Frota se transforma na fera, e
você avança montado, agora armado com um shéng biao (dardo de
corda); ganha um belo golpe - um salto giratório do Tigre que, quase sempre
certeiro, gira ao redor do pescoço do adversário e faz o que esse jogo faz de
melhor: Cabeças rolarem (e tome spoiler: Sem esse golpe você não zera). O
sistema de transmigração é meio tosco: O tigre pode ser selecionado a qualquer
momento, mas para virar dragão é preciso pegar certo power up que
os adversários liberam, e a transformação é por tempo bem limitado. No entanto,
o laser do dragão mata no mesmo instante a tudo o que tocar. O jogo permite
dois jogadores em tela, mas a tosquidão opera aqui também: Você joga com o
mesmo personagem. Aliás, os mesmos, o dois-em-um Duque-Frota. Apesar dos
pesares, Wild Fang merece respeito total pela sua ancianidade, sua pegada
totalmente splatter e pelos belos cenários, uma mistura de
Grécia e China antigas e até Europa Medieval.

Agora
vamos ao meu preferido, talvez o beat 'em up que mais tenha me papado fichas
nos fliperamas, nos anos 90: Captain Commando. O clássico de 1991
da Capcom traz quatro personagens selecionáveis. Um deles é nosso Hoover ou
Baby Head (ou, como chamávamos aqui, apenas Baby). Com apenas dois anos de
idade, o gênio construiu e pilota seu robô de meia tonelada, o Silverfirst. Ah,
a chupeta que ele usa é na verdade um tradutor universal no melhor estilo Star
Trek, permitindo que o mini-querido fale os 3 milhões de idiomas conhecidos no
Universo. Mas nosso amigo era na verdade um cientista - Hoover J. Stefan - que,
ao lado do Dr. Tw (um dos futuros chefões do jogo) desenvolvia pesquisas
genéticas. Traído pelo companheiro, que tinha planos maléficos para as
descobertas dos dois, antes de morrer ele transferiu sua consciência para um
corpo de bebê. O resto é vingança. Ah, essa história é contada no mangá do
Captain Commando.
Além
de aparições nos games Marvel Vs. Capcom, o nosso Bebessauro é um personagem
jogável no game Namco vs Capcom.
Baby
possui aquele golpe que não deveria faltar ao "fortão" de nenhum beat
'em up: Ele, feito um Zangief da vida, aplica adoráveis pilões.

Você
é fã de Golden Axe? O game, que ganhou três versões para o Mega
Drive, é quase sinônimo do console. No primeiro e segundo, os personagens são
os mesmos: o bárbaro, a bárbara e o anão (Conan, Red Sonja e, hum... Gimli?).
Mas, no terceiro, enquanto o bárbaro e a bárbara continuam (continuam não, são
na verdade novos personagens), dois novos combatentes se juntam à campanha, o
ser felídeo Chronos "Evil" Lait e o gigante Proud Cragger. O anão
(anão não, que o cara tem nome: Gilius Thunderhead) aparece apenas dando
instruções, talvez por estar velho para a pancadaria. Mas, mano, quem quer
sempre dá um jeito: No game para arcades Golden Axe: The Revenge of
Death Adder (1992), o velhinho anão retorna, agora montado... nas
costas de um gigante (o Goah)! Duas potências - cérebro e experiência -
se unem a músculos descomunais para moer o inferno. Ele merece.
O
game traz grandes e belos sprites, com uma arte soberba.
Nossa
próxima parada é em Panzer Bandit (Fill-in-Cafe/Banpresto,
1997), tesouro 2D para PlayStation 1. Na trama, a malévola organização
liderada pelo Prof. Farad busca se apossar dos Sync, seres de aço mitológicos
que, uma vez recuperados, têm sido transformados em máquinas de guerra. Mas
suas ambições vão além: O objetivo final é encontrar Ark, objeto ou lugar
legendário que, presume-se, oferecerá a seu possuidor o conhecimento infinito.
Sua missão, meu amigo, é impedi-lo!
Dentre
os cinco personagens selecionáveis temos Miu, sacerdotisa que pilota um dos
lendários Sync, de nome Shouki. O construto de combate tem golpes que
certamente homenageiam o fundador da tecnoguilda, Baby “Cabeção Commando”, como
a corridinha + soco fraco, que aciona a mão giratória como uma perfuratriz, ou
o pilão.
Outro
game de destaque é Battlecircuit (1997), um dos dois beats da
Capcom que saíram nos estertores da geração fliperama, e que não foram vertidos
para nenhum console da época (o outro é Armored Warriors), a continuação ou
tentativa de continuação - não narrativa, por favor, mas ao menos espiritual -
de Captain Commando. Na trama, um grupo de caçadores de recompensa parte na
captura do Dr. Saturn, e precisa também resgatar e proteger um disco contendo
um poderoso programa de computador denominado oportunamente de Shiva
(deus/deusa da destruição na mitologia hindu).
Entre
os exóticos personagens, deste o talvez mais exótico dos beats neste quesito,
temos Pink Ostrich, avestruz inteligente, rosado & enfezado - e único
avestruz no universo capaz de voar; e a jovem que luta montada em suas costas,
Pola Abdul (sim, uma homenagem à cantora Paula Abdul, daquela doce canção
"Rush, rush" e do American Idol). Uma dupla de respeito! Por sinal,
parte dos golpes de Pink foi baseada em golpes do personagem Zelkin,
pássaro-humanóide do game de luta Star Gladiator (PS1, 1996).
Com
um sistema de aquisição de golpes e combos bem interessante e bom humor regado,
BC é um game belíssimo, coroação do empenho da Capcom no universo dos brawlers,
universo que ela infelizmente abandonou, pouco depois. Uma pena que não tenha
nem circulado por muitos fliperamas - dominados na época pelas franquias KoF,
SF e MK - e nem sido vertido para um Playstation, Saturn ou Dreamcast da vida.
Finalizemos
nossa saga montada com o belo e algo inovador The Cristal of Kings, de
2002. Sua desenvolvedora, a BrezzaSoft, foi formada por antigos
funcionários da SNK.
No
game, temos quatro personagens que precisam salvar os seus respectivos reinos
do perigo representado pelo vilão Espírito da Noite, que ambiciona capturar
todos os Cristais de Poder, artefatos míticos de seu universo. Um dos
personagens, por sinal o principal, o miúdo hobbit-cavaleiro-arqueiro Cocco,
não avança apenas na dependência de suas flechas, mas sobre o lombo de uma
besta-fera, prima, mãe ou avó dos cangurus - ou tamanduás? Seu elemento (cada
personagem possui o seu) é a terra, e seus ataques, baseados na fera e na
flecha, possuem ótima eficácia, cobrindo perto e longe. Seu ponto fraco é a
defesa. Por sinal, caso sua besta seja comprometida e deixe o mundo dos vivos,
você terá que lutar a pé, e aí o caldo engrossa. Os demais heróis são os
espadachins Lustro Furia e Justicia, e o mago Lung Xing. O game possui imagens
renderizadas e é um beat 'em up de ação/fantasia, com elementos de RPG, e uma
pegada visual/narrativa descaradamente à la Senhor dos Anéis. Vale conhecer!
* * *
Nosso tema são os beat 'em ups, mas os montadores estão espalhados pelo universo gamerístico. Nos games de luta, nossos heróis e heroínas montados (cavaleiros não, pois aí seria chamar os amigos-de-cangote de cavalos) também aparecem, como em Waku Waku 7 (Sunsoft, 1996, arcades), onde temos Politank-Z, um mecha com cara do Carro Tanque do desenho Corrida Maluca, pilotado por um baixinho bigodudo e seu cão; e Mauru, menininha montada num misto de ursão de pelúcia, Totoro e Dumbo-lapa-de-orelha. O bicho é bruto! Nos jogos de plataforma, temos representantes de peso, como o semi-tosquêra (nada, é um jogo bom) Dahna (IGS, 1991, Mega Drive), onde a princesa começa seu avanço montada num ogro que elimina os canalhas só com o vento de suas patas... Mas Dahna também segue a pé, de cavalo, de grifo... Como dizemos por aqui, a menina é desenrolada!
*
* *
Esses
paladinos provam que a tibieza física não é impedimento para lutar por seus
objetivos, e a força de vontade, operando com inteligência para alcançar os meios
adequados, pode, sim, mudar o jogo.
Sammis Reachers